Bento Herculano Duarte Neto é desembargador, professor titular da UFRN e doutor em Direito (PUC-SP). Foto: Cedida
Virtus est in medio. Quem dera que, em tempos tão difíceis, por vezes dilacerantes, levássemos a sério a máxima aristotélica de que a virtude está no meio. Polariza-se na política, polariza-se na convivência social. E a arte de viver? Arte comporta intolerância?
Nos ambientes de hoje, o comum é ser intolerante, por isso se fala num quase insuportável conviver, mesmo com os mais próximos e estimados. O bem-querer, de forma abrupta e inimaginável, converte-se em malquerer; chegamos querendo beijar e abraçar, saímos com a vontade de xingar ou esbofetear.
Polariza-se entre os extremos, como se só houvesse o preto e o branco. Nada contra tais cores, mas não soa razoável blasfemar contra aqueles que gostam do marrom ou mesmo do verde ou do vermelho. Ser tolerante, aliás, tem a ver com gostar da liberdade e admitir a dos demais.
Numa sociedade em rede, palavras mal colocadas ensejam erros de comunicação e, num passe de mágica, alastram-se os conflitos, sem barreiras geográficas ou de outras naturezas, por vezes configurando aquilo que, quando criança, chamávamos de telefone sem fio. A informação vai se distorcendo a ponto de, ao final, não guardar a menor relação com a primeira e fiel.
Ditados populares não falham e dizem que em religião, política e futebol é melhor não discutir, pois o consenso é utópico. Por não seguir tal conselho, grupos familiares em redes sociais vêm se transformando em campos de guerra, ensejando duelos inimagináveis e não menos devastadores. A polarização que o mundo vivencia, mais aqui, menos acolá, faz com que reuniões, presenciais ou não presenciais, transformem-se em moedores de amizades e bem-quereres, em tese, construídos sobre rocha.
São diversas as formas de encarar a tolerância. Numa visão de conformismo, “aprimorar a paciência requer alguém que nos faça mal e nos permita praticar a tolerância” (Dalai Lama). Quem busca guia na fé, “a tolerância é a melhor das religiões” (Victor Hugo). É certo que é sábio tolerar, consequência da sabedoria. A questão é, como tolerar os intolerantes? “Usar as lágrimas para irrigar a tolerância” (Augusto Cury)?
O ponto de partida para cultivar a tolerância é ter a consistente certeza de sua insuficiência – e não falo apenas da intelectual. O ponto médio é optar por duas verdades: ninguém é feliz por completo e “é impossível ser feliz sozinho”. O ponto culminante é ter firmeza espiritual e não assenhorar-se da razão. Que fique a ressalva final; ser tolerante não significa não defender as suas convicções com unhas e dentes, mas desde que necessário e em ambiência de paz e harmonia, de crescimento e evolução. Aliás, para que vivemos?