Um grupo de soteropolitanos resolveu agir para realizar o que eles consideram uma reparação histórica: a mudança do nome da Av. Adhemar de Barros, localizada em Ondina, para Av. Milton Santos. Trata-se de uma homenagem ao geógrafo baiano formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 1948. Para isso, o grupo criou uma petição on-line e uma campanha nas redes sociais em apoio ao Projeto de Lei (PL) 97/2021, que propõe a mudança, atualmente em tramitação na Câmara de Vereadores de Salvador.
A PL é de autoria do vereador Augusto Vasconcelos (PCdoB). No texto da petição, ele escreveu que Adhemar de Barros foi um político paulista sem nenhuma ligação especial com Salvador e que teve ainda a carreira marcada por escândalos de corrupção.
Por outro lado, Milton Santos é negro, baiano de Brotas de Macaúbas, no Centro-Sul baiano. Logo cedo, veio morar em Salvador e se tornou um dos principais intelectuais brasileiros do século XX, ganhador do Prêmio Vautrin Lud, em 1994, considerado “o Nobel da Geografia”. Apesar disso, alega a PL, Milton Santos ainda não recebeu até hoje da cidade uma homenagem à sua altura.
A campanha destaca, ainda que Salvador, apesar de ter a população majoritariamente negra, tem poucas vias relevantes em honra a personalidades negras. Os participantes também destacam que a renomeação da avenida é um importante passo para divulgar a vida e a obra de Milton Santos e inspirar as novas gerações com estudos em benefício da coletividade.
UMA petição online criada pelo grupo já consta com mais de 3 mil assinaturas. Uma dela é do reitor da Ufba, João Carlos Salles.
“Um dos nossos campi principais está em Ondina. Quem é que pode representar bem a nossa universidade? Que nome, que figura pode estar margeando esse território? Esse nome é Milton Santos, grande geógrafo cuja trajetória se associa a nossa universidade e é inspiradora para nossas pesquisas. Nós queremos sim que a avenida onde está o campus de Ondina se chame Avenida Milton Santos”, afirmou.
Professor de geografia da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), o paulista Marcelo Faria foi aluno de Milton Santos quando ele era professor da Universidade de São Paulo (USP), na década de 1990. Ele prefere a homenagem ao professor baiano do que o conterrâneo político. “A avenida vai sair de um político corrupto para um intelectual glamurozo. Milton Santos tem relação com a Bahia e eu entendo que a Ufba deve essa homenagem a ele”, afirma.
Desejo de mudança do nome da avenida é antigo
Não é a primeira vez que tentam mudar o nome da Avenida Adhemar de Barros para Milton Santos. Em 2012, um abaixo-assinado com mais de mil assinaturas foi endereçado à Câmara Municipal de Salvador pedindo a alteração. Na época, um PL chegou a ser apresentado pelo então verador Gilmar Santiago (PT), mas não vingou.
Agora, o novo autor da proposta é o verador Augusto Vasconcelos. Ele afirmou que o PL precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas o presidente da CCJ, Alexandre Aleluia (DEM), emitiu um parecer contrário ao projeto.
“Ele alega que tem uma rua com nome similar em Canabrava e que isso seria um impeditivo, mas no projeto, eu apresentei uma sugestão de mudança desses nomes e não foi observado”, reclama o vereador, que protocolou um recurso ainda não julgado.
“O recurso vai para o plenário e o presidente da casa precisa pautar”, disse. O presidente da Câmara de Vereadores é Geraldo Júnior (MDB). Segundo a jornalista Christiane Gurgel, que integra o grupo mobilizado a conseguir a alteração do nome da via, o objetivo do abaixo-assinado é pressionar os 43 legisladores da CMS para aprovarem o PL. “Eles só vão fazer algo se se sentirem pressionados pela sociedade civil”, argumenta.
Moradores divergem sobre o tema
Christiane mora numa rua transversal a Avenida. Ela reconhece que a mudança no nome pode causar eventuais transtornos, mas os considera irrelevantes em comparação com a importância simbólica do ato. “Não acho que o nome de Milton Santos tem que ir para outra via, pois Adhemar de Barros é irrelevante e essa é a avenida onde está a Ufba. Ele tem toda uma ligação com a universidade que merece ser destacado”, pondera.
No entanto, nem todos os moradores do local pensam assim. “Não se muda o nome de rua. Isso é querer mudar a história. Deveria ser proibido. Você não sabe o transtorno que é até para questões judiciais, já que tudo tem que ser alterado”, reclama o empresário Samir Luedy, 65 anos.
“Se todos concordam que deve mudar, por mim tudo bem. Mas que fiquem sabendo que isso gera um transtorno muito grande. Não faz tempo que mudaram o número do prédio e só isso dificultou muito nossa vida”, lembra a freira Fátima Maria, 73 anos, membro da congregação Filhas do Coração de Maria, que tem residência no local.
O taxista Edvaldo Santos Brito, 66 anos, trabalha há 23 anos na avenida e não ficou contente com a possível mudança. “Eu acho que Adhemar de Barros também tem história. De qualquer modo, isso vai dar problema para os clientes, que vão ficar confusos com essa mudança”, O porteiro Itamar Henrique, 59 anos, mantém essa mesma linha de pensamento.
“O nome dessa avenida é antigo e tradicional. Eu estou vendo o pessoal querer mudar tudo. Daqui a pouco vão mudar até o nome do Brasil”, reivindicações.
Pela legislação federal, os nomes de rua no Brasil devem homenagear pessoas que já morreram, considerando que essas não tenham defendido ou tenham ligação com a escravidão. Cada cidade também pode impor restrições adicionais, mas esse não é o caso de Salvador, segundo a prefeitura, que, assim como os vereadores, pode propor a indicação dos nomes. Em ambos os casos, a Câmara aprova após votação e à Prefeitura cabe a sanção.
Saiba quem foi Adhemar de Barros
Segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), Adhemar Pereira de Barros nasceu em Piracicaba (SP), em 1901. Tornou-se médico em 1923, fixando-se no Rio de Janeiro, onde trabalhou no Instituto Osvaldo Cruz (atual Fiocruz) até a eclosão da Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932. Dois anos depois, foi eleito para a Assembléia Constituinte do estado de São Paulo.
Adhemar de Barros apoiou e depois foi perseguido pela ditadura (Foto: reprodução) |
Ele queria disputar a eleição para a presidência da República em 1938. Entretanto, em 10 de novembro de 1937, um golpe militar chefiado pelo próprio presidente Getúlio Vargas implantou o Estado Novo. Em abril de 1938, o presidente nomeou Adhemar como interventor do governo de São Paulo, uma espécie de governador, cargo que ele voltou a ocupar em 1947, dessa vez por votação popular.
Sua administração se caracterizou pela realização de grandes obras públicas. Criou o Plano da Casa Própria Popular, elaborou um plano de água e esgoto para a capital, realizou obras em redes de água no interior, construiu o emissário de Tamanduateí, concluiu as obras do Hospital das Clínicas e das vias Anhangüera e Anchieta, aumentou o número de escolas industriais no interior, criou o Conselho Estadual de Energia Elétrica e a Comissão de Assistência Técnica à Lavoura, e ampliou a Escola de Agronomia Luís de Queirós, em Piracicaba. Deixou o cargo em 1951.
Concorreu à presidência da república do Brasil em 1955, mas ficou em terceiro lugar. Um ano depois, foi acusado de corrupção e condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a dois anos de reclusão. O Supremo Tribunal Federal (STF) lhe concedeu habeas-corpus. Em 1957, tornou-se prefeito de São Paulo e, em 1962, foi eleito novamente governador.
Antes disso, em 1960, disputou mais uma vez a eleição presidencial, ficando novamente em terceiro lugar. Ele queria se candidatar a presidente em 1965, mas apoiou o golpe militar de 1964. Dois anos depois, exigiu publicamente a renúncia do presidente miliar Castelo Branco e a imediata restauração da democracia do país. Teve os direitos políticos cassados e deixou o Brasil em 7 de junho de 1966, vindo a falecer em Paris, na França, no dia 12 de março de 1969.
Saiba quem foi Milton Santos
Natural de Brotas de Macaúbas, município baiano localizado a 590 quilômetros de Salvador, Milton Almeida dos Santos graduou-se em Direito pela Ufba (1948), foi Jornalista e redator do jornal A Tarde (1954-1964); professor de geografia humana na Universidade Católica de Salvador (1956-1960); professor catedrático de geografia humana na Universidade Federal da Bahia onde criou o Laboratório de Geociências; diretor da Imprensa Oficial da Bahia (1959-1961); presidente da Fundação Comissão de Planejamento Econômico do Estado da Bahia (1962-1964); representante da Casa Civil do presidente Janio Quadros na Bahia (1961). Tudo isso até ser preso e exilado, em 1964, por causa da ditadura militar.
Milton Santos é baiano e um dos maiores intelectuais do século XX (Foto: Divulgação) |
A partir daí, ele começou uma carreira internacional. Trabalhou na França como professor convidado nas universidades de Toulouse, Bordeaux e Paris-Sorbonne; nos EUA, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Boston, e na Columbia University, em Nova York; no Canadá, na universidade de Toronto; dentre outros lugares.
Somente em 1977 ele retorna ao Brasil. Ensinou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de 1979 a 1983, ano em que ingressa por concurso na Universidade de São Paulo (USP), tornando-se professor titular de geografia humana até a aposentadoria compulsória. Recebeu o título de Professor Emérito da USP em 1997, depois de ter sido reintegrado à Universidade Federal da Bahia em 1995, da qual tinha sido demitido por causa da ditadura.
No total, 12 universidades brasileiras e sete estrangeiras lhe outorgaram o titulo de Doutor Honoris Causa. Em 1994, ele recebeu o Prêmio Internacional Vautrin Lud, considerado o Nobel da Geografia. Dentre seus livros mais conhecidos estão Por uma Geografia Nova, da crítica da geografia a uma geografia crítica (1978) e Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal (2000).
Suas contribuições para o campo da Geografia, sobretudo suas ideias sobre a globalização e sobre o desenvolvimento urbano em países subdesenvolvidos, foram reconhecidas a nível nacional e até internacional. Milton Santos morreu em São Paulo, em 2001, aos 75 anos, vítima de um câncer na próstata.
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