“Ah, que pena, mas sei que acabei contribuindo para isso”. Nas duas últimas semanas, frases como essa foram comuns nos comentários das notícias sobre o fechamento de mais uma livraria em Salvador. Houve uma espécie de luto pelo fim das lojas, mas o leitor não precisa carregar culpa, pode aliviar o coração. Se é que você tem alguma culpa, ela é ínfima.
Ao menos é isso o que pensam alguns pesquisadores e atores deste segmento ouvidos por nós, que há muito já sabiam que o comércio nas livrarias andava empoeirado.
Se pudesse elencar os cinco principais fatores que levaram ao fechamento destes negócios no país, o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Bernardo Gurbanov, diria que certamente os leitores não estão entre eles. Para Gurbanov — que tem mais de cinquenta anos de atuação como consultor do mercado editorial —, o primeiro problema foi mesmo uma questão de administração interna das empresas, que não souberam como enfrentar as mudanças nos hábitos de consumo.
Especialista em inteligência de mercado, Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, acredita que a parcela dos leitores no fim das livrarias é mínima e adianta:
“Essa mudança de hábitos, inclusive, é condicionada. Estamos mudando porque o preço do livro digital é mais barato e acessível. Então, não faz sentido manter estruturas como megastores se as pessoas conseguem o mesmo produto de forma mais barata. O interesse pela leitura continua e a gente tem o direito de querer o que é melhor para nós”, diz.
As duas grandes livrarias que fecharam na capital baiana tinham estrutura física e de trabalhadores pensada para tempos passados. O modelo de megastores em shoppings teve início no começo dos anos 1990, em São Paulo, e foi vitorioso por algumas décadas, mas eis que aconteceu a popularização da internet.
Com canais de compras online, foi ficando mais difícil custear espaços físicos com aluguel, impostos, gastos administrativos e outras despesas que dificultam a adoção de preços competitivos em relação às vendas pela internet. Somado a isso, ainda teve a chegada (de vez) da Amazon no Brasil, em 2019, e logo em seguida a pandemia.
Há uma certa complexidade neste segmento que é invisível para o leitor. A pesquisadora de mercado editorial, Krystal Baqueiro, crê que, dado o contexto brasileiro, o consumidor não teria tanto poder de controle para evitar o desfecho da Saraiva e Cultura.
De fato, se já era mais cômodo comprar um livro online do que ter que se dirigir até uma livraria, isso ficou ainda mais evidente na pandemia, com as restrições ao comércio e a recomendação de não ir às ruas. Mas o fechamento aconteceria, mais cedo ou mais tarde.
Em recessão econômica há um bom tempo e com o rebaixamento da importância da cultura para o país — que um dia teve um ministério —, ficou ainda mais difícil fazer qualquer exigência por parte dos leitores.
As pessoas já estavam mais apertadas financeiramente e, antes mesmo da força das vendas online, já era uma discussão como o valor de produção e distribuição de livros físicos eram pesados e difíceis de diminuir, já que envolve o trabalho de escritores, editores, papel, impressão, logística e estoque.
“A sensação do leitor, quando ele não conhece a lógica do mercado, é a de uma tristeza mesmo. Quando fecha, a gente tem a sensação de que as pessoas não liam o suficiente para bancar aquela livraria. Confesso que fiquei triste no início, principalmente porque tinha o Teatro Eva Herz dentro da Livraria Cultura, mas acho que as pessoas não precisam se sentir culpadas porque não existia muita coisa que elas pudessem fazer”, acredita Krystal.
O artista plástico Fernando Oberlaender, editor da Caramurê, imagina que a culpa que as pessoas podem estar sentindo é porque buscavam nas megastores uma vivência, um tipo de experiência mais global do que a literatura, um espaço de café, encontro e discussão.
Ele vê o luto das pessoas de forma positiva, acredita que é um reconhecimento da falta dessas vivências, mas tem certeza de que essas histórias acontecerão em novos lugares.
Para Baqueiro, ainda que algumas pessoas quisessem se esforçar e comprar livros nas megastores com a intenção de ajudar o espaço a se sustentar, isso não seria suficiente para não fechá-las. Gurbanov lembra que hoje há mais mídias que disputam o tempo do leitor — como Netflix e redes sociais — e é impossível ignorá-las porque são mesmo novos tempos. “Isso acaba fazendo com que o livro hoje não seja a única fonte de informação e lazer, como foi em parte do século 19 e 20”, diz ele.
Simone Pasianotto recorda ainda que grandes livrarias tinham espaços disponíveis para que as pessoas pudessem ler sem precisar pagar, o que não estimulava a compra e comprometia a sustentabilidade do negócio. Gurbanov acrescenta que houve uma lentidão das empresas na adaptação às novas exigências do mercado de livros.
No meio destes processos, foram vistas dinâmicas predatórias de venda que fisgam o leitor pelo bolso, como o dumping, do qual a Amazon é acusada, e que consiste em colocar preços muito abaixo do mercado por um tempo para eliminar concorrentes.
“Tudo isso vai prejudicando o sistema. A concorrência desleal com o dumping fere a ordem econômica nacional e continua acontecendo sem ser punida”, diz ele.
Mediadora do clube de leitura Leia Mulheres Salvador, Carolina Valença, 43, enxerga que as unidades megastore na capital foram apostas ambiciosas da Saraiva e Cultura, mas os negócios não se provaram sustentáveis e, pessoalmente, ela não vê contribuição do leitor para o que se assistiu.
Ao que lhe parece, as empresas acreditaram que os livros levariam pessoas para consumir outros produtos das lojas, mas os e-books e a facilidade de piratear esses produtos — seria essa uma das parcelas de culpa do leitor? — ajudaram na derrocada dos estabelecimentos físicos.
“Há na internet muitos sites com livros piratas. As pessoas pegaram esse hábito de baixar porque o acesso é fácil e o livro é um bem caro para os brasileiros. No nosso clube, por exemplo, escolhemos livros mais acessíveis porque se a pessoa ganha um salário mínimo, ela não tem mesmo grana para comprar”, ilustra Valença.
Se antes da crise sanitária os leitores já não estavam “resistindo” à Amazon, com a covid-19 ficou ainda mais difícil não ceder aos preços e prazos da gigante americana. Até mesmo livreiros compram produtos para revenda através dela porque saem mais baratos do que nas próprias editoras.
“Pensando como consumidora, amo a Amazon. Sempre comprei muito livro e sempre foi caro. Quando adolescente, eu tinha que economizar, guardar dinheiro para poder comprar R$100, valor que dava frete grátis. Os produtos culturais se adaptam e um exemplo disso é a GloboPlay, que foi a forma que a Globo se inseriu na nova forma de se ver televisão. O mercado de livros é cíclico, não precisa de desespero, de tom cabalístico”, analisa Krystal.
Mesmo que ela seja uma ameaça às livrarias, Bernardo Gurbanov também prefere não demonizar a Amazon. Ele vê a corporação como um player importante entre os demais, uma empresa que avançou ocupando espaços onde havia demanda, assim como a Magazine Luiza, que comprou a Estante Virtual, que reúne sebos do país.
O consultor não acredita na “distopia” de que a humanidade se relacionará apenas por meios tecnológicos e na qual teremos um único fornecedor para tudo.
“Não podemos esquecer e omitir que a Amazon, embora seja um competidor cruel para as livrarias, ela é grande parceira das editoras, é o principal cliente delas. O sistema comercial do livro é muito complexo e prevalecem os interesses comerciais. Te desafio a encontrar um editor que não venda para a Amazon ou para a Magazine Luiza”, diz ele.
Oberlaender recorda que, no fim de 2019, sua filha lhe pediu para comprar a coletânea da saga Harry Potter. Nas livrarias, um único livro custava R$60. Na Amazon, a coleção inteira custava R$ 120. “Isso não quer dizer que as livrarias vão morrer, elas vão se reinventar”, diz ele, que se prepara para inaugurar uma nova loja da sua editora no mini shopping Madison Plaza, na Pituba.
Segundo o editor, a tendência é a de que as livrarias voltem ao que foram na sua origem: pequenas lojas em bairros, nas quais as pessoas possam ter um contato mais intimista e aconchegante, com tempo para tomar um vinho, comer algo, conversar com alguém, debater sobre literatura e poder participar de palestras e cursos. Para ele, esse é o futuro.
A Caramurê ainda mantém um stand no Salvador Shopping e a marca tende a valorizar as obras de artistas locais. Oberlaender diz que, quando as pessoas escolhem financiar o trabalho de escritores locais, não só é mais provável que encontrem um maior grau de referências locais nas histórias como contribui para a economia do estado.
Colunista do Correio, a escritora Kátia Borges, doutora em Letras, resume: “Não cabe aos leitores a manutenção de redes de livrarias que funcionam de um modo que já não atendam seus anseios. Na contramão dos fechamentos, há pequenas livrarias conquistando espaço. Acredito que haverá um retorno gradual, pelo fato de serem locais de convivência, mas é inegável que o modelo mudou”.
7 LIVRARIAS FÍSICAS QUE SEGUEM EXISTINDO EM SALVADOR
Com Vanessa Brunt, escritora colunista do Correio
1. Livraria LDM | @livrarialdm | Frete gratuito para a Bahia!
➨ Endereço: Shopping Paseo (Rua Rubens Guelli, 135 – Itaigara) | Espaço Itaú de Cinemas Glauber Rocha (Praça Castro Alves, s/n – Centro)
➨ Horário de funcionamento: Segunda a sexta, das 10h às 18:30 | Verificar no Glauber: 71 3011-4706
➨ Contatos (WhatsApp e mais): https://linktr.ee/livrarialdm
➨ Site: https://www.livrarialdm.com.br/
2. Livraria Leitura | @leiturasalvador
Leitura | Shopping da Bahia:
➨ Endereço: Avenida Tancredo Neves, 148. LOJA: G 05 a 08, 2 piso – Caminho das Árvores, Salvador – BA
➨ Horário de funcionamento: De segunda a segunda, das 10h às 18h30
➨ Telefone: (71) 98245-5555
➨ Site: leitura.com.br
Leitura | Salvador Norte Shopping:
➨ Endereço: Salvador Norte Shopping Rod. BA 526, nº 305 3027 – São Cristóvão, Salvador – BA
➨ Horário de funcionamento: De segunda a sábado, das 10h às 18h30.
➨ Telefone: (71) 3035-6217
➨ Site: leitura.com.br
3. Livraria Escariz | @escarizbarra
➨ Endereço: Shopping Barra | R. Fernão de Magalhães, 2992 – Barra, Salvador – BA
Horário de funcionamento: Segunda aos sábados, das 10h às 20h. Aos domingos, de 12h até 20h.
➨ Telefone: (71) 98427-5242
➨ Site: https://www.escariz.com.br/
4. PromoLivros | @promolivros.shopba | Qualquer livro por R$ 10
➨ Endereço: Shopping da Bahia | Av. Tancredo Neves, 148, Caminho das Árvores – Salvador – Bahia
➨ Horário de funcionamento: De segunda aos sábados, das 10h às 22h. Domingos, de 12h às 21h.
➨ Instagram: @ promolivros.shopba
5. Livraria Disal | @disal_livraria (https://www.instagram.com/disal_salvador/)
➨ Endereço: Alameda das Espatódias, 479 – Caminho das Árvores, Salvador – BA
➨ Horário de funcionamento: De segunda a sexta, das 9h às 17h. Aos sábados, das 9h às 13h.
➨ Telefone: 71 3565-1922
➨ Site: https://www.disal.com.br/
6. Boto Cor de Rosa | @livrariabotocorderosa
➨Atua com venda em feiras e eventos
➨ Site: http://www.livrariabotocorderosa.com/loja/
➨ Telefone: (71) 98647-7489
7. SBS Livraria Internacional | @sbs.salvadorba
➨ Endereço: Av. Octávio Mangabeira 1945, Pituba Salvador-BA
➨ Telefone: (71) 98198-0969
➨ Site: https://www.sbs.com.br/ba
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