Tempo insuficiente, ingressos já vendidos com endereço da Barra, direito do consumidor e um apelo à saudade: após dois anos esperando a realização da maior festa popular do mundo, “nada justifica uma mudança que possa pôr em risco o sucesso e os encantos” do Carnaval. Esses são os argumentos elencados pelas associações de blocos e camarotes de Salvador em ofício que será entregue ao Conselho do Carnaval (Comcar) na próxima terça-feira (26).
O documento, obtido com exclusividade pelo CORREIO, pede que a alteração do circuito de Carnaval para a orla de Pituaçu – possibilidade ventilada já há alguns meses – não aconteça no próximo ano. Ele é assinado pela Associação dos Blocos Alternativos (ABT), Associação dos Blocos da Barra (ABB), Associação Baiana dos Blocos Carnavalescos com Trio Elétrico (ABT) e pela Associação Baiana dos Camarotes (ABC).
O presidente do Conselho do Carnaval, Joaquim Nery, afirma que a assembleia na próxima terça deve definir uma opinião dos conselheiros, em posse do ofício das associações, sobre a possibilidade ou não da mudança.
“Muito provavelmente a assembleia vai tirar uma opinião para poder apresentar ao prefeito. O que a gente tem informalmente ouvido é que a mudança para a orla poderá sim ser viável, porém somente quando as obras forem concluídas. Talvez o mais correto seria mantermos na Barra e já começarmos a planejar”, disse ele.
No ofício enviado pelas associações, elas reforçam que apoiam a alteração de circuito, desde que a partir de 2024. “A mudança estrutural do Carnaval só deverá acontecer a partir do ano seguinte ao momento em que essas obras [de requalificação da orla] estejam concluídas, gerando assim um ambiente favorável para esse passo significativo”, escrevem.
Ainda de acordo com o documento, as associações querem um amplo estudo sobre o futuro do Carnaval, considerando a possibilidade de saída da Barra.
Para o próximo ano, no entanto, defendem que há razões suficientes para nem se cogitar tal alteração. O primeiro ponto diz que a pouco mais de seis meses da festa, não há tempo hábil para realizar a mudança de circuito. O segundo afirma que os ingressos e abadás já estão sendo vendidos desde 2020 e, conforme foram sendo adiados devido à pandemia, mantiveram o endereço do circuito Dodô.
Em terceiro lugar, apontam que os consumidores possuem o direito de saber antes qual será o local onde a festa vai ser realizada. E, por último, concluem que depois de dois anos de espera, uma mudança como essa não se encaixa.
Mesmo os mais interessados em um novo circuito, os moradores da Barra, que se incomodam com o pré e o pós-Carnaval, não estão com tanta pressa.
“A AMABarra [associação de moradores] vem a um certo tempo querendo discutir o Carnaval, mesmo antes da pandemia, porque o bairro se tornou muito pequeno. Teve até uma declaração da PM na época dizendo que do jeito que estava não dava para garantir a segurança. Mas a gente espera que isso seja feito da melhor maneira possível, inclusive com estudos de impacto”, afirma Regina Serra, 71 anos, presidente da Associação de Moradores da Barra (AMABarra).
Pituaçu será a nova Barra
A requalificação da orla de Pituaçu, entre os bairros da Pituba e Stella Maris, é a responsável por suscitar a discussão mais fervorosa sobre um novo circuito para o Carnaval de Salvador.
De acordo com o prefeito Bruno Reis (União Brasil), isso acontece porque, após ser finalizada a requalificação da orla, Pituaçu será “uma nova Barra”, em referência à qualificação pela qual o bairro também passou.
“Nós vamos fazer uma grande requalificação na orla de Pituaçu, último trecho que falta ser requalificado junto com Patamares, e vai surgir uma ‘nova Barra’. Com isso, está surgindo uma nova possibilidade para fazer um Carnaval com uma série de serviços de qualidade melhor”, diz o prefeito.
O projeto da nova orla de Pituaçu, que vai fazer com que áreas de Patamares sejam desapropriadas, tem 3,9 km e inclui um calçadão largo, com grandes quiosques e uma área verde entre a praia e as avenidas. A urbanização deve incluir ainda a construção de ciclovias, pista para caminhada, quadras de esportes e outros equipamentos de uso público.
As obras, no entanto, não foram iniciadas. Sobre o Carnaval, Bruno Reis diz que o projeto ainda está sendo elaborado. “A Prefeitura foi consultada se poderia avançar no projeto, eu respondi que sim. O projeto está sendo elaborado, à medida que for apresentado, nós vamos analisar e decidir”, afirmou.
Bem-vindo a Salvador
Se vai haver a mudança ou não do Carnaval para Pituaçu, a pouco mais de 200 dias para o carnaval de 2023, os camarotes e blocos já vendem ingressos e abadás para o endereço de sempre: circuito Dodô, no percurso Barra-Ondina.
O Camarote Salvador começou a vender os ingressos em março deste ano, demarcando seu lugar no circuito Dodô, e oferecendo inclusive hospedagem em um hotel a 12 minutos do evento, que fica no Rio Vermelho. Os Camarotes Skol, Band e Premier também vendem os ingressos com o endereço de sempre.
“É você mudar a regra no meio do jogo. Antes desse ano, até na pandemia, muitas pessoas compraram ingressos, e compraram para o circuito Barra-Ondina”, afirma o proprietário da Central do Carnaval, Tinho Albuquerque.
O bloco Cheiro vende o ingresso no Sympla com “Localização a Definir”, mas na descrição ressalta que fará o circuito Dodô. O mesmo endereço é marcado pelos blocos Camaleão, Vumbora e Nana.
Guto Ulm, sócio do 2GB, responsável pelos blocos Eu Vou e Balada, afirma que a pouco mais de seis meses do carnaval não é possível desenvolver todo o circuito com os detalhes necessários para o sucesso, como distância, localização de camarotes, bares, ambulantes, entre outros. E, mais uma vez, ressalta que ingressos já foram vendidos com o endereço da Barra. “Já tem turista com passagem comprada, com hospedagem comprada”, conclui.
O paulista Diogo Bezerra comprou ingresso do camarote da Band para a quinta-feira de carnaval, o Vumbora para a sexta, vai sair no bloco Largadinho na sexta e no domingo, e ainda está vendo um outro camarote para a sexta-feira. Alguns já estão completamente pagos, e outros sendo parcelados, assim como a estadia em Salvador, em um apartamento em frente ao Shopping Barra.
“Fico ali na Barra mesmo, e estou pagando, seria horrível se mudasse, provavelmente teria que ver outro apartamento, isso se decidisse ir mesmo, porque pode ser que cancele tudo”, afirma. Mesmo se fosse avisado antes sobre a troca de circuito, no entanto, Diogo não sabe como avaliar a mudança: “O cartão postal do carnaval é a Barra”.
O soteropolitano Domingos Mariano dos Santos pretende sair num bloco de amigos que se veste de mulher toda sexta-feira de Carnaval e no Filhos de Gandhy. Ele também afirma que um dos cartões postais do Carnaval é a imagem aérea do Farol da Barra, mas não descarta a mudança.
“Eu lembro que quando se criou o circuito alternativo da Barra já foi uma estranheza, muita gente achou estranho. E quando os blocos grandes decidiram descer para a Barra e abandonar o circuito do Campo Grande foi um grande choque para todos. Como toda mudança, eu acredito que vai ser algo estranho nos primeiros anos. Para ser bem introduzida tem que ser bem estudada, bem planejada, e apresentada para a população, o que depende de um processo que muitas vezes pode ser mais longo que o esperado”, afirma.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro