No repente O Pobre e o Rico, a dupla repentista Caju e Castanha cantam o que as respectivas classes sociais comiam. Enquanto o rico come caviar, picanha e filé, “o pobre come bolacha, tripa de porco e sardinha”. Há controvérsias. A tripinha suína frita deixou de ser apenas aquele tira-gosto típico do interior para conquistar, também, o paladar da capital, seja nos barzinhos mais populares ou nos restaurantes mais afortunados. O cheirinho pode até não ser agradável no preparo, mas sua crocância virou acompanhamento obrigatório ao lado de uma farofinha, vinagrete e cerveja estupidamente gelada.
Em Salvador, a tripinha frita de porco ultrapassou os limites dos lugares populares. No restaurante O Porco, na Pituba, uma das entradas principais da casa é a iguaria. O local é refinado, mas a chef e nutricionista do lugar, Uitá Cristina, garante que a tripinha de lá ativa um gatilho de sabor popular, levando para uma viagem aos tempos da casa da vó no interior.
“Eu sou de Paulo Afonso e a tripa sempre fez parte de minha história. Minha vó tem 98 anos e ainda faz tripa. A tripa em si tem um contato maior com o interior, mas não foi um grande desafio trazer este costume do sertão para a capital. Ela é um gatilho para uma culinária afetiva do interior também para a classe A, sem contar que a tripa se tornou a tampa da panela do chopp gelado”, disse Uitá.
Se a tripa frita é crocante, popular, granfina e combina perfeitamente com cerveja gelada, porque ela ainda causa repulsa em algumas pessoas? No processo de preparo até a fritura, a tripa exala um odor forte, o que pode causar repulsa em algumas pessoas. Contudo, nada que algumas dicas não resolvam, como deixar as tripas de molho no sal e no limão, por exemplo.
“De fato, a tripa tem um cheiro forte. A gente prepara já salgado e depois fazemos a limpeza com limão, um ácido fantástico que tira o odor. A gente faz este processo, mas também existe outro fator: a procedência. Aqui visitamos até o porco antes do abate”, garante.
Vilã?
O preconceito é antigo não apenas com a tripa, mas com o porco de forma geral, que ainda tem fama de sujo. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), um brasileiro consome uma média de 15 quilos de carne de porco todo ano, enquanto a carne de boi chega a 39 Kg e frango 43kg.
“São informações equivocadas do passado, que eram questões muito mais sanitárias e não do corte suíno. Aí ainda temos a tripa, uma das partes menos valorizadas do porco. Mas no interior a tripa frita sempre foi comum. Eu sou de Pereira, um povoado do interior da Bahia. Eu lembro que comprava tripa frita e comia como pipoca. Sempre fez parte da cultura sertaneja e da roça”, disse Bruna Moreira, formada em gastronomia na Ufba e dona do Amoreira Charcutaria Artesanal, que vende cortes de porco. Ela atualmente trabalha num restaurante em Los Angeles e revela algo curioso.
“Aqui se consome tripa suína, mas um pouco diferente. É uma comida comum mexicana, mas feita na chapa e consumida com tacos”, revela Bruna.
No Stiep, José Santos Andrade transformou a paixão em trabalho. Ele é dono do Bar do Jonas e a tripa frita é uma das especialidades do lugar. “É uma tristeza quando não tem. Eu encomendo de Amargosa, daquela região de lá. Quando temos um problema de fornecimento e passamos uma semana sem tripa, é um problema. Uma reclamação que não para”, disse José.
“Ainda tem gente que dobra a boca, faz cara de nojo quando sabe que se trata de tripa, mas basta comer uma que vira cliente. Outro dia, teve uma pessoa que disse nunca ter comido, que achava um nojo. Toda semana está aqui comendo”, lembra José.
Sem nojinho, mas apenas de olho na moderação. Por se tratar de fritura, é bom não exagerar. “Por ser tratar de um alimento calórico, o cuidado é em relação a frequência do consumo e o equilíbrio: se você segue uma alimentação equilibrada na maior parte do tempo, faz exercício físico, dorme bem, cuida das emoções, não será uma tripa frita em um sábado a tarde que comprometerá sua saúde”, disse Raquel Pinheiro, nutricionista coordenadora do curso de Nutrição da Unesulbahia. A tripinha veio para ficar.
Faça você mesmo
Onde comprar? Feira de São Joaquim, açougues e supermercados. Bom ter cuidado com a procedência
Preparo: A tripa precisa ser bem lavada. Quanto mais branquinha, melhor. Como tem um cheiro forte, o primeiro passo é deixá-la de molho com limão e sal. Depois, ferva a tripa. Depois, corte em tamanhos pequenos, de sua preferência. Deixe o óleo ferver bem. No interior ainda fritam com a banha no próprio porco. Tem gente que passa a tripa na farinha de trigo ou de milho, mas também direto no óleo. Frite até dourar, como um torresmo. Tem gente que prefere comer no dia seguinte, pois fica ainda mais crocante.
Valores nutricionais: 100 gramas de tripa frita tem cerca de 80 kcal, além de 1,7 g de carboidratos.