Donald Trump e Angela Merkel, durante visita da chanceler alemã à Casa Branca em 2017 Foto: SAUL LOEB / AFP/17-3-17
Durante uma reunião com seus assessores, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, teria chamado a chanceler Angela Merkel de “aquela vadia” (“that bitch”, em inglês) e “kraut de merda” (“fucking kraut”), termo pejorativo para se referir aos soldados alemães que lutaram na Primeira e na Segunda Guerra Mundial. A chanceler não estava presente no momento.
A revelação foi feita pelo livro “I alone can fix it: Donald J. Trump’s catastrophic final year” (Eu sozinho posso consertar isso: o catastrófico ano final de Donald J. Trump”, em tradução livre), que será lançado na terça-feira por Carol Leonnig e Philip Rucker, repórteres do Washington Post. Trechos da obra foram obtidos com exclusividade pela CNN, revelando também que o alto comando militar dos EUA chegou a se preparar para frear uma possível tentativa de golpe de Trump.
O comentário do ex-presidente, que tinha uma relação notoriamente conflituosa com a chanceler e é criticado por uma série de posicionamentos machistas, teria sido realizado em uma reunião sobre a Otan, a principal aliança militar do Ocidente, e as relações germano-americanas, no Salão Oval da Casa Branca.
“Aquela vadia, Merkel. Eu conheço essa kraut de merda”, ele teria dito, escreveram os autores. “Trump, em seguida, apontou para uma foto emoldurada de seu pai, Fred Trump, atrás de sua mesa presidencial, e disse: ‘eu fui criado pelo maior kraut de todos’”, diz o livro em seguida. Por meio de um porta-voz, Trump negou ter feito os comentários.
Os avós paternos do ex-presidente são alemães que imigraram para os Estados Unidos no fim do século XIX — com a mudança, o avô de Trump, Friedrich, escapou de três anos de serviço militar obrigatório. O pai do ex-presidente, Fred Trump, nasceu no distrito nova-iorquino do Bronx, mas cresceu imerso na cultura alemã e tinham o idioma como sua língua primária.
Relação tensa
A relação de Trump e Merkel é conturbada desde antes da chegada do republicano à Casa Branca. Ainda como candidato, em 2015, o republicano disse que a líder alemã “deveria ter vergonha de si mesma” por ter recebido em seu país 1 milhão de refugiados sírios, no auge da crise migratória no continente europeu. Mais tarde naquele ano, quando a chanceler foi nomeada “Personalidade do Ano” pela revista Time, Trump disse em seu Twitter que ela estava “estragando a Alemanha”.
O clima não melhorou durante após o republicano chegar à Casa Branca: os dois discordavam em assuntos-chave para as relações entre Berlim e Washington, como o papel da Otan e de organismos multilaterais. As críticas constantes do então presidente ao mecanismo de financiamento da aliança e suas ameaças de tirar Washington do pacto, em particular, eram motivo de descontentamento e atritos entre os EUA e as lideranças europeias.
Após a primeira cúpula da Otan da qual o republicano participou, ainda em 2017, Merkel declarou publicamente que a Europa já não poderia mais “depender completamente dos outros” para a sua segurança estava encerrada. Após o visto na reunião, ela disse, havia ficado claro que “nós europeus precisaremos ter o nosso destino nas nossas próprias mãos”. Nos anos seguintes, fez várias críticas veladas ao unilateralismo do republicano.
A chanceler, que está nos Estados Unidos nesta quinta, onde terá uma reunião e participará de um jantar com o presidente Joe Biden, foi uma das primeiras a parabenizar o democrata por sua vitória. Logo após o resultado ser projetado pelos veículos de comunicação americanos, Merkel tuitou afirmando que estava “ansiosa por uma futura cooperação com o presidente Biden”.
Comentários machistas
Um dia após a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro, quando apoiadores incitados pro Trump invadiram a sede do Congresso americano para tentar interromper a sessão conjunta que certificaria a vitória de Biden, Merkel criticou contundentemente o republicano. Em um evento do seu partido, a União Democrata Cristã, ela disse estar estar “furiosa e triste” com as cenas vistas em Washington:
— Eu sinto muito que o presidente Trump não tenha admitido sua derrota desde novembro e tenha se recusado novamente a fazê-lo ontem — afirmou. — Uma regra básica da democracia é: após as eleições, há vencedores e perdedores. Ambos devem cumprir seus papéis com decência e responsabilidade, para que a democracia, por si só, possa triunfar.
Os comentários descritos pelos autores do livro são os mais recentes em uma série de declarações de Trump consideradas machistas. Em várias ocasiões, atacou a aparência da ex-secretária de Estado Hillary Clinton, sua concorrente nas eleições de 2016. Outra democrata habitualmente em sua mira foi a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, a quem chamou de “nervosa e descontrolada”. Já a senadora Elizabeth Warren foi chamada de “boca suja”.
A fala mais notória do ex-presidente, contudo, talvez tenha sido quando disse ao repórter do programa Acess Hollywood, Billy Bush, falando sobre conquistar mulheres “agarrando-as pela vagina”. O vídeo de 2005 veio à tona nas semanas antes da eleição de 2016. Em outra ocasião, ele chegou a dizer que namoraria sua filha, Ivanka, se não fosse seu pai.
Outro exemplo famoso veio no mesmo ano, quando, após um debate presidencial, atacou verbalmente Megyn Kelly, âncora que na época trabalhava na Fox News e que o havia indagado sobre seus comentários machistas. Em uma entrevista à CNN, ele disse:
— Você podia ver o sangue saindo dos olhos dela. Sangue saindo não sei de onde.