Com quase 300 anos de idade e pouco mais de 600 moradores, São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito, na região Central de Minas Gerais, é conhecido por sua tranquilidade e belezas naturais, com cachoeiras e construções históricas. Porém, a paz e a natureza da região estão ameaçadas, segundo quem vive ali, pela construção de um terminal de minério, que, diariamente, irá escoar 15 mil toneladas de ferro, gerando um trânsito de até 800 caminhões no caminho do povoado.
Na noite desta sexta-feira (19 de abril) será realizada uma audiência pública com os moradores do distrito e a empresa responsável pelo empreendimento, a Bação Logística, que deverá dar detalhes sobre a sua implantação. A audiência é uma das exigências para o licenciamento ambiental.
Segundo os moradores, o terminal ficará a apenas 500 metros da vila e a menos de 100 metros de alguns sítios, pousadas e de um restaurante. Além disso, todo o minério será estocado em uma área acima de uma das principais atrações do distrito – a cachoeira Bem-Vinda – e cercada por três córregos que são de extrema importância para a bacia do rio das Velhas.
“Isso vai realmente destruir tudo que nós estamos construindo na área de turismo. Essa empresa está tentando se instalar aqui no Bação desde 2018, mas a comunidade vem resistindo há 6 anos. É um empreendimento com elevado risco de degradação, seja para o meio ambiente, seja para as comunidades. Basta analisar a situação dos terminais de minério que existem em outras localidades, como o de Sarzedo, de Inhotim e outros”, pondera Elias Costa de Rezende, de 74 anos, que é proprietário de uma cachaçaria no distrito.
Entre os principais impactos apontados pelos moradores estão o aumento e agravamento de doenças pulmonares, por conta do pó que será gerado pelo minério; risco maior de acidentes com o grande trânsito de carretas; afastamento de turistas e sitiantes; abandono da população pela perda de qualidade de vida; entre outras coisas.
“Aqui vivemos em harmonia social, cercados de belezas naturais, ar puro, água boa e muita tranquilidade. Temos o ecoturismo como alternativa econômica e sustentável. Temos certeza dos enormes impactos negativos que o empreendimento nos moldes desse terminal causará, prejudicando a saúde física e mental da população e provocando danos ambientais irreversíveis”, reclama a professora Vânia Heloísa de Carvalho, de 63 anos.
A Bação Logística foi procurada por O TEMPOmas ainda não se posicionou. A resposta será incluída no texto assim que for recebido.
Obra foi interrompida pelo MPMG em 2018
Em 2018, a empresa teria iniciado as obras no local com base em uma licença ambiental simplificada concedida pela Prefeitura de Itabirito. Para obter o documento, a Bação Logística teria alegado que trataria de um “pátio de estocagem”, empreendimento que teria um impacto ambiental infinitamente menor que o de um terminal de minério. Após denúncias dos moradores, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) teria, então, embargado a obra.
De acordo com o Manuelzão, projeto de extensão da UFMG que atua na revitalização da bacia do rio das Velhas, bastaram estas primeiras intervenções da empresa para implantação do terminal para ser registrado o assoreamento de, ao menos, quatro nascentes. Além disso, estas obras ainda despejaram lama de um talude diretamente no ribeirão Carioca e nas cachoeiras Bem-Vinda e Três Quedas.
“A bacia hidrográfica do ribeirão Carioca, tem suas águas classificadas como de classe especial e classe 1, ou seja, de altíssima qualidade, propícias a atividades de lazer e pesca. Esses cursos d’água integram a sub-bacia do rio Itabirito, fundamental para o abastecimento da cidade de Itabirito e da região metropolitana de Belo Horizonte, sobretudo diante do agravamento da crise hídrica na região do alto rio das Velhas”, detalhou o projeto Manuelzão em uma publicação sobre o tema.
Para Vânia, o momento atual da humanidade depende de alternativas econômicas sustentáveis e socialmente inclusivas. “A exploração de recursos naturais tem se mostrado nociva e atrasada. Aqui em São Gonçalo do Bação não cabe esse tipo de empreendimento. Somos ricos em tradições, belezas naturais e o que devemos é valorizar e preservar esse bem”, concluiu a professora.
Prefeitura sai em defesa de terminal
Questionada pela reportagem de O TEMPO sobre o licenciamento simplificado que teria sido emitido para a empresa Bação Logística, a Prefeitura de Itabirito informou, inicialmente, apenas que o licenciamento, autorizações e impactos aos moradores “são de responsabilidade da esfera estadual”.
Pressionada sobre a questão, um novo posicionamento foi divulgado, desta vez, em uma nota robusta em que o município defende a implantação do terminal de minério no pacato distrito. Segundo o município, os veículos de carga utilização vias municipais que passarão por “processo de melhorias robustas”, incluindo alargamento, drenagem, sinalização e pavimentação.
“A Prefeitura informa ainda que não só os veículos pesados, mas todos os usuários contarão com uma alternativa muito mais segura e confortável para acesso a São Gonçalo do Bação e à sede de Itabirito. A Prefeitura ressalta que tanto a estrada municipal quanto o terminal ferroviário são componentes relevantes da iniciativa de retirada das carretas da BR-040 e da BR-356, conduzida de forma conjunta pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), pela Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) e pelas principais empresas da região”, continuou a Prefeitura de Itabirito.
Por fim, o executivo municipal pontuou que os possíveis impactos ambientais serão “devidamente tratados” no processo de licenciamento, que é conduzido pelo município. Durante o processo será feita a “análise de viabilidade da atividade, assim como serão definidas as medidas de mitigação e compensação dos impactos porventura identificados”.
A reportagem também questionou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) sobre a atual situação do licenciamento ambiental do empreendimento, mas, até a publicação da reportagem, a pasta ainda não tinha se posicionado. O MPMG também foi questionado sobre a situação, mas ainda não respondeu.