Empresários, blocos e ambulantes defendem que festa não fique restrita a eventos privados em 2022
O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, jogou um balde de água fria nos muitos trabalhadores que contam com a realização do Carnaval em 2022, reiterando que a prefeitura não vai patrocinar o evento, por conta das incertezas impostas pela Covid. Mas artistas, produtores, ambulantes, pipoqueiros, comerciantes, donos de hotéis, entre outros, querem dialogar com a administração municipal para que haja uma organização oficial da festa na rua, sem que a folia fique restrita aos eventos privados.
Principal evento turístico da capital mineira, o Carnaval atraiu contou com mais de 4 milhões de foliões em 2020. Não há injeção de dinheiro público, os recursos que bancam a infraestrutura da festa e o edital direcionado a blocos vêm de patrocinadores – na última realização da festa, três grandes empresas entraram com R$ 14 milhões. Para o Carnaval de 2022 em São Paulo, a Ambev já anunciou um patrocínio de R$ 23 milhões.
Produtora do bloco Chama o Síndico, Renata Chamilet explica que será muito difícil haver um Carnaval nos moldes que conhecemos em 2022. Sem o patrocínio, não é possível colocar um trio elétrico na rua – algo que custa aproximadamente R$ 20 mil. “É muito difícil colocar um trio na rua. A gente precisa levantar placa, fazer poda de árvore, algo que não é possível sem contar com a prefeitura. E uma das exigências dos bombeiros é fazer um cordão em torno do bloco e precisamos contratar em torno de 80 seguranças”, explica.
Sem Carnaval na rua, muitas empresas já se movimentam para festas em eventos fechados, com cobrança de ingresso. As festas “Carnaval do Mirante” e “We Love Carnaval” já anunciaram shows de artistas renomados, como Thiaguinho e Ivete Sangalo. Entre os agentes do Carnaval de rua, há um temor de que esse movimento descaracterize a festa que atrai milhões de pessoas, restringindo a diversão para quem pode pagar.
“Tenho muito medo de que o projeto de ‘blocódromo’ vire realidade, porque esse é o desejo de muitos produtores de eventos”, revela Renata. O “blocódromo” seria um modelo próximo ao do Carnaval de Salvador, onde blocos desfilam em uma rota pré-determinada, com camarotes e abadás. A folia é reservada a quem pode pagar.
Mas segundo o presidente da Associação Mineira de Eventos e Entretenimento (Amee), Rodrigo Marques, os produtores de eventos também querem a festa na rua. “O que tornou o Carnaval de BH grande? Foram os bloquinhos. O turista curte o bloco de dia e vai aos shows à noite. Um depende do outro”, afirma o produtor. “Por quase dois anos, respeitamos a ciência e esperamos com tranquilidade. Apoiamos a vacinação e acredito que chegou a vez de podermos ter a nossa retomada”.
O produtor do Volta Belchior, Kerison Lopes, reitera que os blocos de Carnaval não pressionam a realização da festa a qualquer custo. “Tenho analisado editais de outras capitais e todo mundo coloca cláusulas de que o evento só vai acontecer se houver condições sanitárias. O que defendemos é um diálogo e construção conjunta”, afirma.
Ele explica que não é possível ter Carnaval sem uma interlocução com a administração municipal, porque o planejamento envolve reuniões com BHTrans, limpeza urbana, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. Sem a coordenação de diversas partes, seria mais difícil controlar uma possível multidão que pode ganhar as ruas. “Um Carnaval que levamos dez anos para construir, que é popular, democrático e admirado no Brasil, vai perder muito com a atitude do prefeito. É toda uma cadeia produtiva que se desmonta”.
Planejamento para minimizar danos
Fundador do Pior Bloco do Mundo, Felipe Cânedo acredita que é preciso respeitar a decisão do Comitê de Enfrentamento à Covid da capital sobre as condições epidemiológicas para a realização da festa, mas também é importante compreender que muitas pessoas irão para a rua, independentemente de organização ou não. “Está muito claro que vai ter aglomeração em BH, temos que trabalhar para minimizar os danos”, diz o músico, que defende uma grande ação de vacinação na capital para melhorar ainda mais os índices de vacinação – atualmente, 69,4% do público-alvo completou o esquema vacinal.
Para Renata Chamilet, um modelo que poderia ser mais viável para Belo Horizonte, seria fazer o mesmo de Recife, espalhando palcos por toda a cidade. Dessa forma, haveria um maior controle no fluxo dos foliões e uma injeção de recursos na cadeia produtiva. “Seria uma alternativa gratuita e popular”, sugere.
A Belotur afirma que vem realizando reuniões periódicas com todos os atores do Carnaval (Escolas de Samba, Blocos Caricatos, Blocos de Rua, artistas, produtores) durante todo ano de 2020 e também 2021. Explica que ainda não é possível prever a situação epidemiológica para fevereiro de 2022 para que se tenha uma definição sobre o Carnaval do próximo ano, acrescentando que a decisão sobre a realização do Carnaval de Belo Horizonte 2022 é da Secretaria Municipal de Saúde e do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 da PBH.
Diz também que a Prefeitura de Belo Horizonte manterá seus serviços à população da cidade durante o período do Carnaval, ou seja, segurança, saúde, mobilidade e limpeza, respeitando as manifestações espontâneas.
O 13º salário do pipoqueiro
Quem espera ansiosamente pelo Carnaval são os muitos trabalhadores que atuam como ambulantes e donos de carrinhos de tração humana (como pipoqueiros e vendedores de sanduíches). “O Carnaval é como um 13º salário pra a gente. Em uma semana, a gente tira uma renda extra muito boa, que pode ajudar numa reforma na casa ou outra necessidade”, relata Renata Soares, vice-presidente do Sindicato de Pipoqueiros.
Segundo ela, um vendedor de pipoca faz de R$ 2.000 a R$ 5.000 num Carnaval, dependendo das horas trabalhadas. Um recurso que cairia muito bem para uma categoria muito impactada pela pandemia. “A renda ainda não voltou ao normal, porque muita gente ainda trabalha em home office. O movimento de pessoas ainda não é o mesmo de antes da pandemia”, explica Renata, já adiantando que os pipoqueiros se planejam para trabalhar durante o Carnaval, independentemente do que for decidido pela prefeitura em relação à organização.
Voluntário do Projeto Vida, que auxilia trabalhadores informais, Jarbas Aredes Junior explica que o Carnaval também é uma grande oportunidade para camelôs não cadastrados. De acordo com ele, tanto os ambulantes registrados quanto os informais pedem para participar do diálogo com a prefeitura sobre a organização da festa em 2022.
“Há trabalhadores informais que passam o ano trabalhando com medo de perder a mercadoria. O Carnaval é o único momento em que eles têm oportunidade de trabalhar de forma licenciada, único momento em que atuam sem medo da polícia”, explica. Em 2020, cerca de 15 mil pessoas se credenciaram como ambulantes para a festa.
Empresários cobram organização
Os empresários da cidade entendem que a prefeitura tem autoridade para decidir se deve investir na realização do Carnaval, mas é fundamental que a administração da cidade se prepare de maneira adequada para oferecer conforto e segurança aos foliões.
“Entendemos que não seria um risco para a sociedade, temos um nível de vacinação que permitiria o Carnaval, da mesma forma que temos para um Mineirão lotado”, afirma Matheus Daniel, presidente Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG). Ele adianta que muitos bares pretendem credenciar festas durante o Carnaval e esperam que a prefeitura ofereça segurança e coloque banheiros químicos em pontos tradicionais de aglomeração. “É preciso antever, para que não aconteça um caos, para que a cidade não vire um banheiro a céu aberto”, completa.
Paulo Pedrosa, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Belo Horizonte e Região Metropolitana (SindiHBares), acredita que a prefeitura deve mudar de opinião em breve, pois o Carnaval traz importantes benefícios para a economia da cidade. “O turista deve vir de qualquer maneira, até porque muitas cidades do interior não vão realizar Carnaval”, diz Pedrosa, reiterando que vai ser fundamental investir em segurança para os foliões que certamente vão para as ruas.
Em entrevista à Rede Globo, o secretário de Estado de Saúde, Fabio Baccheretti, afirmou nesta segunda-feira (22) que 90% da população no Estado deve estar imunizada até fevereiro, permitindo a realização das festas de no Estado. “Um Carnaval desorganizado é mais arriscado do que o Carnaval organizado”, disse.
Apoio para quem depende do Carnaval
Com Carnaval oficial ou não, escolas de samba e blocos pedem apoio financeiro para continuarem vivos. Gustavo Caetano, fundador do Unidos do Samba do Queixinho, relata que se esperava um auxílio durante a pandemia, o que não ocorreu.
Já que a ajuda não veio do poder público, ele acredita que o setor privado poderia fazer a diferença para garantir a sobrevivência dos projetos que ganham relevância no Carnaval, mas são realizados ao longo do ano. “É preciso que as empresas se sensibilizem, que possam patrocinar sem intermediário, para mantermos nossos espaços. Temos músicos, professores, aluguel. Os custos são muito altos”, explica o músico. Ele lembra que, durante a pandemia, os blocos não puderam realizar os eventos que ajudam a levantar capital para pagar as despesas.
O presidente da Liga das Escolas de Samba de Minas Gerais (LIEMG), Marcio Eustáquio, espera que as escolas de samba da capital possam negociar a realização da festa em 2022, seguindo protocolos de segurança sanitária.
“É fundamental que a Belotur compreenda que para o Carnaval de passarela é preciso um planejamento mais efetivo porque precisa de tempo para ser confeccionado. Se não tiver condição sanitária em fevereiro, que aconteça mais para frente”, propõe. Em 2020, cada escola recebeu R$ 200 mil para custear o desfile.