A saída constante de investidores da poupança, a aplicação financeira mais tradicional do Brasil, está afetando outros setores da economia. Uma das principais fontes de financiamento imobiliário para a classe média, com juros limitados, o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), está sofrendo com a retirada contínua de recursos da poupança.
Apenas em janeiro, os investidores retiraram R$ 20,1 bilhões a mais do que depositaram na poupança. Isso ocorre após três anos consecutivos de retiradas de recursos. A poupança perdeu R$ 87,8 bilhões em 2023, R$ 103,2 bilhões em 2022 e R$ 35,4 bilhões em 2021.
Atualmente, os bancos são obrigados a destinar 65% dos depósitos da poupança para o SBPE. Este sistema financia até 80% de imóveis de até R$ 1,5 milhão, com juros limitados a 12% ao ano, o teto do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Esse tipo de financiamento tem historicamente baixo risco de inadimplência, pois as prestações são limitadas a 30% da renda do mutuário, e os financiamentos podem durar até 35 anos.
Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário, destaca que o mercado imobiliário está passando por uma mudança estrutural devido à perda de interesse dos investidores pela poupança. Tanto o baixo rendimento da poupança quanto a ampliação de opções no mercado financeiro estão incentivando a fuga de investidores.
Com menos recursos na poupança, os bancos estão direcionando menos dinheiro para empréstimos no SBPE. Como resultado, houve uma redução de 20% a 30% no número de lançamentos de unidades imobiliárias pelo SBPE no ano passado.
Os mutuários de classe média têm duas alternativas de financiamento. A primeira é usar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que também financia imóveis de até R$ 1,5 milhão, mas com requisitos adicionais em relação ao SBPE. A outra opção é o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), que segue taxas e condições de mercado e permite financiamento de imóveis acima de R$ 1,5 milhão.
Atualmente, os principais recursos dos bancos que concedem os financiamentos no mercado livre são os títulos privados, como as letras de crédito imobiliário (LCI), os certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e as letras imobiliárias garantidas (LIG), que sofreram recentes mudanças nas regras do Conselho Monetário Internacional.
Houve também uma mudança na composição dos fundos para financiamento imobiliário, com o crescimento dos títulos privados que custam mais para as instituições e elevam o custo do crédito para a compra de imóveis.
Apesar da estagnação do SBPE, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) aposta em um crescimento de 3% no crédito imobiliário em 2024, com as concessões fechando o ano em R$ 259 bilhões. A estimativa da CBIC é que o volume de empreendimentos imobiliários com recursos do FGTS e do Minha Casa, Minha Vida cresça 15% em 2024. No total, a entidade projeta que 320 mil unidades devem ser lançadas neste ano. Ainda não é possível determinar se esse volume representa um crescimento em relação a 2023, pois as estatísticas do ano passado ainda estão sendo finalizadas.