ESG
Vá descansar
Que péssima ideia é essa de estar disponível para o trabalho, com todo o seu ser, 24 horas por dia, sete dias por semana?
Publicado em 17 de março de 2024 às 05:00
O que você sente? Cansaço. Apesar de todos os aplicativos de meditação guiada no celular, de todos os óleos essenciais do mundo, apesar das horas todas na academia postadas no instagram (“tá pago”, diz quem já nasceu devendo), apesar de tantas horas na frente da TV vendo besteira pra tentar não existir.
A gente que acorda cada vez mais cedo pra poder ter algum tempo de nosso nas 24 horas do dia que devia (principalmente) ser nosso. Que corre pra poder respirar com alívio antes do mundo todo acordar, no silêncio das primeiras horas, porque sabe que depois não dá. O que você sente? Cansaço. E se às vezes até mesmo esse silêncio é interrompido por mensagens, ligações e outras necessidades que simplesmente poderiam esperar até as oito? Os outros e suas ansiedades. Não as nossas. As dos outros.
Que péssima ideia é essa de estar disponível para o trabalho, com todo o seu ser, 24 horas por dia, sete dias por semana? E o corpo? E quando ele dói, quando ele não quer, e quando ele empaca como um bicho teimoso? Porque ele não entrou nesse acordo absurdo de se dar inteiro para nada além da vida – porque isso de se acabar tem outros nomes, mas vida é um que passa longe.
E também que ninguém pode dizer em alto e bom som: que cansaço. Se humanizar assim de repente no meio de mais uma reunião desnecessária, se levantar e dizer que preferia estar em casa, na cama, dando carinho no cachorro. É que tem que ser resiliente, antifrágil dizem os livros. Tem que ser forte. Grande coisa! Nesse darwinismo contemporâneo, eu vou dizer, tá todo mundo muito é cansado. E quem disser que tá bem tá mentindo.
E não sou só eu que tô dizendo: Byung-Chul Han, em seu ensaio “Sociedade do cansaço”, entrega tudo quando escreve que vivemos atualmente na sociedade do desempenho. E é por isso mesmo esse sentimento de que somos insuficientes, essa síndrome do impostor, a sensação de que estamos sempre ocupando um espaço que não devia ser nosso: não conseguimos nunca dar conta de tudo. Estamos caindo pelas tabelas de cansaço mas precisamos pedir pro corpo aguentar um pouquinho mais porque temos um resultado pra entregar. Só mais esse. Depois só mais um. E assim vamos.
Pra essa sociedade, pouco importa se há um filho no hospital, um corpo que pede repouso, um relacionamento que necessita atenção. A ordem é produzir: o que fica pelo caminho é o ônus, o preço a ser pago. Olhe só: com certeza não sou a única pessoa que conhece alguém que abriu mão de tudo pelo trabalho, guardou dinheiro e morreu sem desfrutar. Quando viu o fim que chegava, correu pra tentar aproveitar o pouquinho que lhe restava do preço que pagou. A vida.
Quem sabe, então, haja uma solução libriana no meio desse caos em que nos enfiamos distraidamente pra sobreviver: equilibrar. Trabalhar na hora do trabalho e viver na hora de viver. Cumprir as metas na firma e desligar alegremente o celular corporativo pra botar o pé na areia e curtir a praia quando essa chuva passar. Ensinar gentilmente aos reis e rainhas da ansiedade que é possível fazer uma série de respirações e esperar para fazer contato a partir das oito da manhã, com o limite das 18 horas. Nada é tão urgente se você é competente de se planejar com antecedência.
Viver é mais que trabalhar pra pagar boleto. É abraçar, escrever uma carta grande pra alguém de longe, pisar no mato, dar risada com vontade, encontrar quem você ama. Não é pra ser dublê de corpo não, como diria Xico Sá. Viver não é ficar resolvendo problemas como se o mundo fosse acabar amanhã. Porque não vai. E se for, não é você que vai segurar o meteoro com a mão. Vá descansar.
* Mariana Paiva é escritora, jornalista, idealizadora da Awá Cultura e Gente, head de Diversidade, Equidade & Inclusão do RS Advogados, e doutora em Teoria e História Literária na Unicamp