Vamos testar como está a memória do leitor: lembra qual foi o último show que Baby do Brasil e Pepeu Gomes fizeram juntos, em dupla, do começo ao fim? E aí, lembrou? Se conseguiu lembrar, sinto decepcioná-lo, mas garanto que foi traído pela memória. Simplesmente porque a dupla, que já foi marido e mulher, jamais realizou um show completo.
Agora, finalmente, a experiência vai poder ser desfrutada pelos fãs, na turnê 140 Graus, que faz referência à soma da idade deles. Baby tornou-se septuagenária nesta segunda-feira e Pepeu, em 7 de fevereiro. E a Concha Acústica do TCA foi o palco escolhido para dar início neste sábado, às 19h, à curta série de shows que, por enquanto, só passa por Rio e São Paulo, além de Salvador. A apresentação terá todas as canções do álbum Baby & Pepeu Ao Vivo no Noites Cariocas, que chega nesta sexta-feira às plataformas de música.
Mas o fã que pretende ir ao show não precisa se preocupar em correr pro Spotify na véspera do show para conhecer as canções, porque o repertório do álbum e do show é formado por clássicos da dupla, que foram gravados pelos Novos Baianos ou pelos artistas em carreira solo. As gravações do álbum foram feitas em abril, ao vivo, no Rio de Janeiro.
Álbum Masculino e Feminino, de 1983 |
Então, se prepare para ouvir Mil e Uma Noites de Amor, Eu Também Quero Beijar, Menino do Rio, Sem Pecado e Sem Juízo… E muita coisa do repertório foi composta pela dupla, como o super hit dos anos 1980, Masculino e Feminino, e Mil e Uma Noites de Amor. Há ainda músicas de outros compositores, como o Samba da Minha Terra, de Caymmi, que Pepeu canta no palco.
A música de Caymmi, segundo Baby e Pepeu, é uma maneira de homenagear Tom Zé, João Gilberto e Moraes Moreira.
“Outro momento lindo é Acabou Chorare, que as pessoas nunca viram Pepeu cantar. Cantar também as nossas composições que fizemos juntos é um momento histórico para os nossos filhos. Uma experiência única!”, celebra Baby.
A cantora aproveita para fazer propaganda do da voz do parceiro musical: “Ele canta muito bem, tem um falsete espetacular. Aquela coisa de negro americano. Mas há uns anos, ele dizia que não queria cantar”, lembra-se Baby.
“No show, vamos cantar músicas que fizemos nas últimas quatro décadas, nossas parcerias, canções que estiveram em novelas, Barrados na Disneylândia…”, diz Pepeu. Duas canções que estão no show não aparecem no novo álbum: Um Raio Laser, composta pela dupla, e um dos maiores sucessos da carreira de Baby, Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar (Todo Dia Era Dia de Índio), de Jorge Ben.
Ela e o ex-marido estarão acompanhados por uma banda muito respeitável, que tem dois irmãos de Pepeu. “O power trio dos irmãos Gomes estará lá. Além de mim, na guitarra, tem Jorginho, na bateria, e Didi, no baixo. São três guitarras, três metais, duas percussões…”, diz Pepeu, entusiasmado.
Masculino e Feminino
Uma das canções mais marcantes da parceria Baby/Pepeu é Masculino e Feminino, cuja nova versão, que estará no álbum, já está disponível como single nas plataformas. Lançada originalmente em 1983, a canção chamou a atenção por ser um manifesto contra o preconceito, numa época em que a sociedade era ainda mais machista que hoje. O impacto estava também na capa do álbum homônimo à música, que mostrava Pepeu com seu visual andrógino.
A letra, de Baby, havia sido composta para que ela mesma gravasse.
“Eu estava querendo trazer para a mesa do Brasil um assunto que as mulheres estavam sofrendo, sofrendo com o machismo, de o homem não entender nada…”, revela a compositora.
Ela lembra que anos antes a novela Gabriela retratava o homem de maneira machista: “A mulher tinha que servi-lo sexualmente, uma ideia que vinha das nossas mães e avós. E a mulher sofria muito com aquilo”.
Baby diz que, à medida que a música ficava pronta, ela começou a imaginar um homem cantando. E, claro, Pepeu surgiu como o intérprete ideal, lembra a autora dos versos: “Pepeu sempre ficou muito à vontade com os figurinos dele, gostava de usar calça apertada, legging – que nenhum homem usava -, ele usava sapatilhas pra pular à vontade no palco… tudo isso dele ser masculino e feminino, com cabelão, roupa colorida, que hoje é ‘normal’… Aí, eu disse a ele que ele tinha que cantar”.
Canceriana Telúrica, de 1981 |
Baby diz que a música ganhou muita repercussão e confundiu as pessoas: “Diziam ‘será que ele é gay?’. ‘Mas ele tem seis filhos, como pode ser?’, pensavam. Mas todos nós, sejamos homem ou mulher, hétero ou gay, somos todos masculino e feminino”. Pepeu diz que na época não tinha nenhuma pretensão de transformar a música num hino contra o machismo nem de fazer dela uma forma de protestar contra o preconceito.
Mas ele reconhece que o país deu muitos passos para trás em 40 anos:
“O Brasil é preconceituoso e não há como negar que regredimos. Essa música estava à frente do tempo, mas continua atual”, diz o músico, em tom de lamento.
“Sempre fui da parte da música e Baby, da letra. Ela tem o dom de escrever, sempre foi poeta. Saquei que ela tinha para transformar em poemas as músicas que eu tinha na gaveta. Começamos a compor juntos quando saímos do Novos Baianos e a nossa primeira parceria deve ter sido Ele Mexe Comigo”, lembra Pepeu.
O espetacular guitarrista diz que tem uma relação próxima com a Concha e com o TCA, que faz parte do mesmo complexo: “Foi aos 17 anos que pela pirmeira vez toquei profissionalmente, no show Barra 69, de Gilberto Gil. E lá foi minha estreia como guitarrista, porque, até ali, eu era baixista”.
Pepeu diz que Novos Baianos se reuniram para ajudar Galvão
Há cerca de um mês, familiares do compositor e poeta Galvão, que fez parte dos Novos Baianos junto com Baby e Pepeu, além de outros músicos, anunciaram que estava realizando um bazar para financiar o tratamento do letrista, que gasta aproximadamente R$ 20 mil mensalmente.
Para ajudar a arrecadar a verba, cinco livros escritos por Galvão – incluindo produções que não estão mais nas livrarias – estão à venda por R$ 150, cada. Também é possível doar outras quantias pelo pix [email protected]. A compra dos livros é feita pelo mesmo e-mail.
Janete Galvão, esposa do compositor, revelou que está tentando reivindicar valores a que o marido teria direito, como autor de diversas músicas dos Novos Baianos. Mas, segundo ela, antes de Moraes Moreira morrer, “as coisas funcionavam de uma maneira mais justa, adequada”.
Pepeu disse ao CORREIO que evita falar sobre o assunto publicamente, porque prefere falar diretamente com a família do colega. Mas disse que ele próprio e Baby já interromperam projetos pessoais para realizarem uma turnê com os Novos Baianos e, assim, ajudar Galvão. “Paramos nossa turnê por dois anos, então a gente se preocupa com Galvão, quer falar com ele, não quer criar polêmica”, diz Pepeu.
Serviço
Concha Acústica do TCA, sábado, 19h. Ingressos: R$ 120 | R$ 60 (pista) e R$ 200 | R$ 100 (camarote). Vendas: Simpla e bilheteria. Assinantes Clube CORREIO tem 40% de desconto (bit.ly/3PyStp4)