Construir e programar um robô que resgata vítimas de um desastre de forma autônoma pode até remeter a um clichê hollywoodiano de ficção científica, mas na Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR), esse é um obstáculo que, todo ano, estudantes de idades entre 8 e 19 anos devem enfrentar. Cerca de 180 alunos de escolas particulares e públicas da Bahia participaram, no domingo (15), da etapa estadual da OBR, ocorrida virtualmente através de um simulador criado especialmente para a competição durante a pandemia da covid-19, o sBotics.
Para a modalidade prática do torneio, realizado pelo Serviço Social da Indústria – SESI Bahia, 50 equipes de oito cidades de diferentes regiões do estado construíram robôs capazes de superar obstáculos em uma pista, em três rodadas, de níveis fácil, médio e difícil. As equipes são divididas em duas categorias: na N1, competem alunos do ensino fundamental, do 6º ao 8º ano. Já na N2, a disputa acontece entre alunos do 9º ano do ensino médio ao ensino técnico.
Há uma pista simulando um desastre, cada robô deve, então, atravessá-la seguindo uma linha preta, desviando de detritos, redutores de velocidade, encruzilhadas e falhas na linha. Ao final da pista, há uma rampa que leva a uma “sala” em um nível superior, os robôs devem subir essa rampa e resgatar as “vítimas” presentes nesse outro andar. Cada vítima é simbolizada por uma bolinha – as pretas são as mortas, e as prateadas são as feridas – que os robôs devem encontrar e transportar até uma área segura da sala. É o equivalente ao chamado Rescue A, na RoboCup Junior, fase internacional da competição.
Exemplo de pista (Foto: Divulgação)
Cada desafio superado equivalia a uma pontuação diferente – o resgate às vítimas é o maior deles – e a equipe que fizesse mais pontos, levaria o prêmio. As equipes classificadas, por sua vez, representam a Bahia na etapa nacional da Olimpíada, que também será realizada em ambiente virtual, no período de 11 a 15 de outubro. Essas equipes, por fim, receberão a chance de representar o país na RoboCup Junior, uma das maiores competições de robótica do mundo.
Bicampeão
Pelo segundo ano seguido, o time baiano vencedor nos rounds da categoria N2 foi o D4RKMODE. A classificação para o nacional será divulgada oficialmente no dia 30 de agosto. Um dos integrantes da equipe, Gabriel Meira, está cursando o 3o ano do Ensino Médio na Escola SESI Anísio Teixeira, em Vitória da Conquista, e já sabe que, no seu futuro, a área de programação definitivamente terá espaço.
“Estou no último ano do Ensino Médio e nessa caminhada, eu e minha equipe já conquistamos o 1º lugar Estadual e o 4º lugar Nacional na competição ano passado, por isso, as expectativas para 2021 estão lá em cima. Essa é a última chance que tenho de participar do torneio, então quero fechar com chave de ouro, e para isso, minha equipe já está focada na etapa nacional”, explica.
Gabriel Meira pratica com o robô em pista de teste (Foto: Divulgação)
Apesar da mudança de espaço da competição imposta pela pandemia, do material para o virtual, Gabriel conta que a transição foi feita de forma a não deixar nada a desejar. “O simulador sBotics conseguiu realmente igualar os problemas que tínhamos no evento presencial, relacionados aos sensores, motores e até a iluminação, que desfavorece o robô em certos momentos”, garante.
Essa era, inclusive, uma das preocupações do coordenador dos Torneios de Robótica da Rede SESI Bahia, Fernando Didier. Ele aponta que muitos alunos acabaram perdendo o interesse de se manterem trabalhando com algo que não manipulariam. No primeiro ano da pandemia, somente 25 equipes baianas participaram da OBR.
“Há a barreira da conectividade. Primeiro, os alunos têm dificuldade em se conectar à robótica no virtual, por não envolver a construção de protótipos. Também há a barreira da conectividade virtual. Muitas vezes, um tutorial no Youtube facilitaria o acesso ao estudante, mas nem todos têm essa possibilidade. A linguagem de programação também é um déficit geral da Bahia e do Brasil. Mas nada é impossível”, diz.
Para Didier, a competição é uma forma de mostrar aos estudantes que a linguagem de programação não é um “bicho de sete cabeças”, assim como a robótica. Isso era o que Gabriel pensava quando ingressou no projeto pela primeira vez, há 3 anos. Por isso, além de competidor, hoje, ele atua como tutor das equipes adversárias.
“Poder passar um pouco das minhas experiências para a galera que está começando agora é algo que me deixa muito feliz, pois me faz lembrar de quando entrei nesse projeto sem saber de nada, tinha apenas interesse e força de vontade para correr atrás dos meus objetivos. Apesar de sermos ‘concorrentes’ é importante ajudar sempre a construir na robótica uma comunidade maior e melhor, superando os desafios juntos”, afirma.
Autonomia
Participando pela primeira vez da competição, o aluno do 1o ano do Ensino Médio no Instituto Federal Baiano (IFBA – Campus Salvador), William Soares, foi integrante da equipe SalvadorVipers-3, que ficou com a segunda posição no ranking dos rounds, e, por isso, ainda tem possibilidade de concorrer ao nacional.
William conta que, como estratégia para ganhar mais tempo na competição e tentar concorrer ao título nacional, seu robô não buscou salvar “vítima” alguma. “Montei uma estratégia diferente porque eu tinha menos tempo e menos conhecimento das coisas, então pensei ‘vou estudar o que posso por enquanto e vou desenvolver uma estratégia para, pelo menos, concorrer ao nacional’ e acho que funcionou”.
Isso faz parte do que o coordenador Didier chama de uma “fagulha de incentivo”, parte da ideia de tornar o aluno um autônomo. Esse é um dos objetivos na cartilha da OBR, “estimular os jovens a ingressarem em carreiras científico-tecnológicas, identificar jovens talentosos, e promover debates e atualizações no processo de ensino-aprendizagem brasileiro”.
“A robótica ajuda a tornar o aluno um protagonista, que não depende da tecnologia passivamente. O mercado só está crescendo e a robótica veio para mostrar a importância do aluno se tornar autônomo, de se empoderar de um conhecimento e construir um saber que ninguém mais tira dele”, argumenta Didier.
William diz que não se esquecerá da experiência, e que pretende repeti-la nos próximos anos. Quem sabe, até conseguir difundir a competição por todo o IFBA. “Fui o único aluno do IFBA a participar esse ano, e nem esperava, já que é meu primeiro ano no Instituto. Me diverti bastante com os orientadores e essa foi uma das maiores experiências que já tive, quando se trata de conhecimento. Superou minhas expectativas”.
*Sob orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier
.