Um anúncio da churrascaria Raja Grill, de Belo Horizonte pegou todo mundo de surpresa nessa quarta-feira (3/1): depois de mais de três décadas de funcionamento no mesmo lugar, a casa vai encerrar suas atividades no próximo domingo (7/1). Em 2018, a Fogo de Chão também já havia encerrado suas operações na capital, restando, no máximo, dez casas no segmento em BH e região. Todo este movimento criou um debate acalorado nas redes sociais: o rodízio de carnes vai acabar? Para o consultor de negócios de bares e restaurantes, Pedro Henrique Oliveira, de 38 anos, o modelo de “espeto no salão” não é mais sustentável. “Quando falamos de rodízio de carnes, estamos falando do produto de maior custo dentro da cesta de restaurante, que é a proteína animal. Existe um apelo por variedade e quantidade. Para o cliente é bom; para o gestor não. A equação não é favorável”, explica. Oliveira observa que BH é a capital dos bares, com mais de 4 mil estabelecimentos, mas conta apenas com cerca de dez casas de rodízio num dos países com maior consumo de proteína animal do mundo. “Elas se cruzam negativamente com a gestão. O investimento é alto demais, na casa até dos R$ 5 milhões. E encontramos rodízio de carne a R$ 79 e os mais caros a R$ 149, no fim de semana. Mesmo no valor mais caro é insustentável”, considera. Atuando há 15 anos com consultorias, ele acredita que o consumidor agora está focado na experiência; no cardápio autoral, dando espaço a players como o Coco Bambu, Tatu Bola e Outback. “O modelo de fartura da década de 90, ‘vou no rodízio e nem vou almoçar’, está acabando. As pessoas querem comer coisas diferentes e estão pagando mais caro por isso”, afirma. Como exemplos de referência nacional no segmento, ele cita a Fazenda Churrascada e o Quintal deBetti, de São Paulo, que têm fila de espera de até quatro horas e cobram cerca de R$ 250 por um bife angus de 200g. Oliveira lembra que o próprio fundador da rede Fogo de Chão vendeu a empresa no ano passado para investidores norte-americanos e criou a NB Steak em SP, com um conceito novo, que mescla rodízio ao à la carte, permitindo que o cliente coma à vontade, pelo período que quiser, mas onde as carnes são feitas a partir do pedido. Tudo é porcionado, evitando desperdícios. Já no modelo tradicional do rodízio de carnes, o consultor aponta que o desperdício é gigante. “Já prestei consultoria em um estabelecimento onde o consumo de carne por pessoa era de 1,250kg. Aí você pensa: ‘ninguém consome tudo isso’. Mas tem a perda na churrasqueira, no prato… O cliente pede três fatias, esfria, joga fora, pede uma quentinha. Acaba o movimento, mas você está com a churrasqueira cheia de espeto”, observa. Com base em dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Oliveira explica que num rodízio a R$ 100, o custo para a casa por pessoa é de R$ 55 somente com a comida. Logo, a rentabilidade é de apenas 45%. “Não se assuste se nos próximos dois ou três anos mais churrascarias sejam fechadas em BH. [A rentabilidade] não sustenta o pagamento de custo fixo e variável, funcionários, impostos e lucro. Então, automaticamente a conta não fecha”, explica. Para tentar driblar esta realidade, o consultor conta que algumas churrascarias estão trabalhando com cortes diferenciados de carne de segunda e outras apostaram num mix maior de serviços. “A Adega Sul virou uma boutique de carne, pizzaria, trattoria… O Porcão tem o Meet, de produção de eventos. O Baby Beef a mesma coisa. Eles tiveram que buscar outras fontes de renda porque a fonte primária, que é a mesa, não está dando conta” detalha. Se reinventar para lucrar: a lição do Porcão Foi na pandemia que o empresário Fernando Júnior, de 41 anos, presidente do Grupo Meet Porcão, percebeu que realmente seria preciso diversificar seus produtos para manter o negócio de pé. “Não conseguia receber ninguém na casa, então, começamos a ir para a casa do cliente”, lembra. O grupo criou uma linha de produtos para churrasco, que vão de facas, a copos Stanley, cachaça e blusas com a marca, além de investir no delivery, com direito até ao serviço de churrasqueiro em casa. Há quatro meses, a empresa foi além e criou o Clube Porcão, uma plataforma que oferece descontos exclusivos para os assinantes. Já são 150 membros. Hoje, cerca de 30% das vendas da churrascaria são online. “A gente teve que diversificar, porque o mercado está complicado. O insumo que mais gastamos [a carne] está cada dia mais caro”, conta Júnior. Durante a pandemia, o preço da carne subiu mais que o dobro da inflação. Além de todas estas criações estratégicas, o grupo Porcão investiu na própria marca de carne. “Em vez de comprar a carne, compro o boi, faço o abate e a desossa. Consigo ter margem maior porque consigo mais barato um produto de maior qualidade; diminuo atravessadores”, explica o presidente do grupo. Ele explica que, além disso, garante aos clientes o respeito ao animal, com 80% de rastreabilidade da carne. “Sei a forma como foi abatido, que não foi maltratado. Tenho cuidado com a alimentação; sei a raça”, detalhe Júnior. As ações do grupo tiveram um bom resultado: em 2023, o Porcão cresceu 20% em relação ao ano anterior. “A gente conseguiu melhorar a margem. Tivemos um lucro maior em função de eventos de fim de ano, a inflação dos alimentos também não foi tão alta e não aumentou muito nosso custo”, explica o empresário. Em 2024, o objetivo do grupo é incrementar o delivery de carnes e aumentar os pontos de venda da marca própria do produto, atualmente em cerca de 30 a 40 locais na capital e região. Mensalmente, o rodízio do Porcão atrai cerca de 10 mil pessoas e, entre as vendas na casa, delivery e em outros estabelecimentos, a empresa gasta 15 toneladas de carne. Segundo Júnior, a churrascaria se sustenta sozinha, mas existe sim uma sinergia entre ela e os outros empreendimentos do Grupo Meet, que conta com espaço de eventos, produtora e buffet. “A churrascaria tem um público fiel. O brasileiro é amante de churrasco. É paixão nacional, assim como carnaval e cerveja. Faz parte do encontro de famílias”, diz o empresário. Para ele, o sucesso de um estabelecimento é oferecer aquilo que as pessoas não conseguem replicar em casa no dia-a-dia. “Aqui são 30 tipos de corte de carne, cupim doze horas no fogo, temos defumadora”, lista. Sobre o fechamento do Raja Grill, o empresário diz que respeita e admira a história da casa, que o inspira. “É um exemplo de sucesso, apenas 2% sobrevivem a mais de dez anos no mesmo local com o mesmo nome”, pondera. Para ele, o fechamento não foi motivado pelo modelo de negócios do rodízio, mas por uma oportunidade de ganho imobiliário melhor. Qualidade e sustentabilidade ditam novo consumo A estrategista de negócios Rachel Patrocínio, que frequenta rodízios desde criancinha e levou a tradição para sua família, acredita que o fechamento das casas em BH não se deve a um fato isolado. “O consumo passa por transformações. A pandemia agitou bares e restaurantes. Aqueles que foram para o delivery conseguiram sobreviver”, explica. Para ela, o rodízio de carnes em si passou por mudanças monetárias significativas. “A carne vem encarecendo significativamente. O pecuarista prefere exportar em dólar do que vender no mercado interno. Além disso, o açougue hoje é uma boutique de carne: trouxe para o cidadão comum, que pode comprar uma peça mais nobre, o prazer de fazer um churrasco em casa”, explica. Para ela, na pandemia, as pessoas aprenderam a curtir a própria casa: “a varanda virou o centro de entretenimento da família. Para tirá-la de casa, um restaurante não pode oferecer comida; tem que oferecer uma experiência gastronômica”, afirma. Patrocínio lembra que houve uma sofisticação do paladar dos consumidores nos últimos anos, que exigem cortes de carnes como as japonesas Wagyu, que inviabilizam a margem de lucro nos rodízios. Além disso, a geração Z e Alpha chegam a influenciar até 80% das relações de consumo atuais e são jovens que têm uma maior preocupação com o meio ambiente, consomem menos proteína animal e estão mais ligados às questões de saúde. Para ela, já não há espaço para casas de rodízios com “chão escorrendo…