Esqueçam aquele Jean Wyllys aguerrido, combatente que incendiava o Congresso com suas posições firmes, não se esquivando de um bom debate. E o Jean que ficou famoso depois de vencer o BBB 5. Ele continua sendo o mesmo desde que o conheci e iniciamos uma amizade nos anos 1990. Mas tem um lado que só os mais próximos dele conhecem: o Jean alegre, debochado, o verdadeiro filho da Chiquita Bacana “que transa todas sem perder o tom”.
Eu tive o prazer de conviver com ele nesse tempo e o melhor: dividir a coluna de Carnaval “Lança Perfume”, quando o CORREIO ainda chamava Correio da Bahia e o editor-chefe era Demóstenes Teixeira.
Anos depois, reencontro Jean virtualmente (ele está na Europa) através de um contato entre um amigo em comum: o também jornalista Sandro Lobo, que mora em Brasília. Lobo fez o meio de campo para essa conversa que você vai ler abaixo. Foi um papo saboroso, divertido e cheio de memórias afetivas.
Baú do Marrom: Entre os anos 1990 e 2000 nós trabalhamos no Correio da Bahia e chegamos a fazer uma coluna de Carnaval chamada Lança Perfume. Pouca gente sabe dessa história. Você sempre gostou de Carnaval e foi o que podemos chamar de um autêntico folião?
Jean Wyllys: Pouca gente sabe da minha história na imprensa da Bahia – período de minha maior experiência profissional como jornalista – porque o BBB e depois os mandatos como deputado federal eclipsaram essa história. E ter feito uma coluna de Carnaval contigo foi uma parte deliciosa dessa história. Mais que de Carnaval, eu sempre gostei de axé music, samba-reggae, galope e afropop; e era no Carnaval onde esses gêneros musicais brilhavam. Então, amava o Carnaval por isso. Sim, era um folião.
Baú do Marrom: Que lembranças você tem desse tempo? Me lembro que a gente se divertia muito.
Jean Wyllys: E como nos divertíamos! (Risos) Aliás, eu não me lembro de ter tido nenhum estresse contigo. Ao contrário, ríamos muito das notas, dos releases que chegavam, da bajulação dos donos de blocos para ter uma nota, dos convites de festas que chegavam e distribuíamos na redação. E principalmente de nos encontrarmos nas coberturas das festas, sendo eu menos VIP que você e Jamil Moreira. Eu era ‘working class’ e vocês duas divas (rs). Mas fizemos uma boa dupla sob as mãos de Ana Paula Ramos, Isabela Laranjeira e Cristina Apulto (que eram editoras do jornal no período).
Baú do Marrom: Qual a entrevista mais marcante que você fez nessa época em que lidava com a folia?
Jean Wyllys: Bom, todas as que eu fiz com Daniela Mercury foram marcantes. Adorava ver Daniela dar baixa em repórter desinformado do Sul e Sudeste do Brasil nas coletivas de lançamento do Camarote da Rainha. Amo isso nela: o cuidado com – e conhecimento de – seu próprio trabalho. Lembro-me de um Carnaval em que a temática era o Tropicalismo e fiquei chocado ao ver que Ivete Sangalo precisou recorrer a uma apostila antes da coletiva com a imprensa (risos). Mas ela, com seu humor anti-glamour de sempre, tirou de letra e arrancou risos dos jornalistas.
Porém, o que mais me marcou foi eu ter escrito que a carreira de Netinho estava em curva descendente – e já estava mesmo naquela época – e ele ter ido ao diretor de redação, Demóstenes Teixeira, pedir minha cabeça (risos). Demóstenes negou porque sabia que eu era bom profissional. Ou seja, Netinho já era um bolsominion escroto muito antes mesmo de se tornar um bolsominion escroto.
Jean Wyllys atualmente mora em Barcelona, Espanha (Foto: Ana Jiménez Remacha) |
Baú do Marrom: As pessoas que só lhe conhecem como o político combativo que sempre foi podem achar estranho que você também tenha um lado festeiro, bem humorado e brincalhão que eu conheço dos tempos de jornal. O que você acha disso?
Jean Wyllys: Bom, como diz a canção de Belchior, “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa” (risos). Em geral, o meu lado divertido, meu humor bicha, meu lado festeiro eu acabo mostrando só para amigos porque dizem respeito à minha intimidade. Eu sou do tipo que só exponho minhas ideias, e não a vida privada.
Baú do Marrom: Do seu tempo de adolescente em Alagoinhas até hoje, em sua opinião, o que mudou no Carnaval baiano?
Jean Wyllys: Mudou muito, Marrom! Muito. Mas é natural do Carnaval ir mudando com as transformações sociais e tecnológicas. É assim que ele sempre seguirá existindo. Mas o fato mais marcante de quando eu era adolescente para agora foi ver a ascensão e a decadência do Carnaval da Bahia como uma indústria que operava em termos neoliberais, ou seja, de forma excludente, classista e racista, apesar de esforços como os de Daniela Mercury, Ilê Ayiê e Margareth Menezes, para citar três bons e grandes exemplos, para redemocratizar a folia.
Sempre me incomodou – e muitas vezes denunciei, você sabe disso – o racismo nos blocos exclusivos de brancos, o tratamento desumano dos cordeiros, a brutalidade da polícia (de maioria preta) contra os pretos pobres foliões e, consequência de tudo isso, a violência de foliões pipoca pobres contra turistas. Nem tudo era festa, infelizmente. E é hora de essa indústria decadente se repensar e se redemocratizar de verdade tendo como exemplo a antiga Praça Castro Alves, onde todos se misturavam, bichas, travestis, ricos, pobres, pretos e quase pretos e quase brancos numa grande festa democrática.
Baú do Marrom: Você ainda se considera um folião? E quando voltar ao Brasil pensa em pular no Carnaval de Salvador?
Jean Wyllys: Bom, atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu, né? Quero estar ao seu lado num encontro de trios na Castro Alves, cantando ‘Prefixo de Verão’ bem alto. “Eu queria que essa fantasia fosse eterna. Quem sabe um dia a paz vence a guerra, e viver será só festejar?”
Baú do Marrom: Como e onde vive atualmente o cidadão, ativista e campeão do BBB?
Jean Wyllys: Estava nos EUA, como professor visitante da Universidade de Harvard, e agora sigo com meu doutorado na Universidade de Barcelona, na Espanha.
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