Tiroteios intensos durante a madrugada, dezenas de homens armados circulando sem parar e ruas repletas de cápsulas de balas ao amanhecer. Essa é a descrição feita por moradores sobre as últimas 15 noites em Rio Sena, bairro do Subúrbio Ferroviário de Salvador.
Por lá, há um confronto entre facções pelo domínio territorial que se arrasta e vem piorando nos últimos dias. Tanto é que, na manhã dessa terça-feira (12), a Polícia Militar afirmou ter sido informada sobre disparos de arma de fogo no bairro, mas destacou que agentes não localizaram suspeitos ou feridos na região. Ônibus deixaram de circular no final de linha, mas depois retomaram o serviço.
Um morador, que prefere não se identificar, diz não dormir sem ouvir barulho de tiros há pelo menos duas semanas. “Aqui está uma guerra que só Jesus. Há 15 dias é tiroteio atrás de tiroteio. A gente ouve todo dia fogo e mais fogo entre eles e ninguém tem paz por isso. No último fim de semana, ficou pior. Desceram mais de 60 homens para cá, trocando tiro com o pessoal do tráfico daqui”, relata ele.
Motivo do conflito
Quando cita homens descendo até o bairro, o morador se refere a integrantes de uma facção localizada em Mirantes de Periperi, rival do Comando Vermelho – grupo criminoso conhecido como CV – que domina o Rio Sena e tem suas iniciais marcadas em casas e postes da área.
Um dono de bar da região afirma que o conflito tem duas trincheiras. “Acontece aqui principalmente porque querem tomar a Baixada do Bambu, local do tráfico aqui no bairro. Mas os daqui já foram até lá e trocaram tiros com eles. E todos estão com armamento pesado, não tem quem não escute tanto barulho de tiro”, fala ele, também sem se identificar. De acordo com moradores, a facção rival seria o Bonde do Maluco (BDM).
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP) foi procurada para informar se tem ciência do conflito e se ações estão sendo tomadas para lidar com o problema, mas afirmou que a PM responderia sobre o assunto. A corporação retornou, afirmando que o policiamento na área conta com reforço.
“A 18ª Companhia reforçou o policiamento na região de Rio Sena e Mirantes de Periperi com o apoio da Rondesp BTS e de unidades especializadas. […] A intensificação das ações contra a criminalidade seguirá na região sem previsão de término”, informou. Quanto a detalhes como o número de agentes, viaturas e os horários em que a área estará reforçada, a polícia não respondeu. A reportagem procurou a 18ª CIPM para obter essas informações, mas as ligações não foram atendidas.
Professor de estratégia no setor público no Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa e na Universidade Federal da Bahia (Ufba), Sandro Cabral pontua que qualquer ação policial precisa ser bem pensada para não gerar mais problemas.
“Precisa de uma ação de inteligência, seja para prevenir ou remediar. Espero que o Estado esteja coletando informações e faça a incursão da melhor forma possível. Uma operação dessa é complexa e requer planejamento. Se não foi possível antecipar, é preciso analisar o que pode ser feito para não agravar os problemas para a população”, alerta.
Preocupada com a situação atual, outra moradora diz esperar providências urgentes. “Do jeito que está, corremos risco de uma tragédia nesse bairro. Muitos aqui estão em risco porque, mesmo o problema sendo só entre o tráfico, ninguém aqui está a salvo de uma bala perdida que invada alguma casa”, teme ela.
Toque de recolher
Enquanto não há solução e a guerra entre as facções persiste, quem mora em Rio Sena tem sua rotina alterada e precisa mudar hábitos, como conta um morador. “Isso aqui é movimentado demais e, desde que começou, já baixou bastante o número de pessoas na rua. Quando dá de noite então, nem se fala. Não fica um pé de gente para contar história. E não tem como ser diferente porque todos ficam com medo dos tiroteios”, fala ele.
Ônibus deixaram de circular na manhã dessa terça, mas depois o serviço foi retomado (Foto: Marina Silva/ CORREIO) |
Os comerciantes relatam também uma ordem para o fechamento das portas na segunda-feira anterior, no dia 4 de julho. O dono de um bar afirma que a situação afetou as contas durante e depois do fechamento. “No dia, todo mundo parou e ficou sem ganhar nada. Depois disso, a quantidade de pessoas que sentam aqui no bar ou vão em outros lugares para fazer compras diminuiu e muito. A gente está no meio disso e não tem como não sermos afetados”, declara ele, afirmando ter perdido mais de 50% do consumo depois do conflito começar.
Sandro Cabral, que também é autor de diversos trabalhos na área de segurança pública, afirma que é justamente isso que acontece quando a população fica refém e a segurança pública não é efetiva. “Essa situação é agravada pelo poder dos criminosos, que estão tendo mais facilidade para adquirir armamentos. […] Associados a isso estão fatores como a incapacidade das forças policiais de agirem com inteligência e o empoderamento das facções. No fim do dia, as comunidades que estão próximas são as principais vítimas dessa violência”, diz o professor.
Ainda segundo os comerciantes, a ordem para que eles fechassem as portas também interrompeu o funcionamento de unidades escolares e postos de saúde. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS), no entanto, informou que não houve interrupção dos atendimentos na Unidade de Saúde da Família (USF) Rio Sena. O Sindicato dos Servidores da Prefeitura de Salvador (Sindseps) disse que recebeu relatos das intensas trocas de tiros na área assustando os trabalhadores, mas não tem conhecimento de interrupções no fornecimento de serviços.
Na educação, a direção do Colégio Estadual Professora Maria Anita, localizado no Rio Sena, informou a continuidade das atividades sem interrupção no período, segundo a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (Sec). A Secretaria Municipal da Educação (Smed), por sua vez, garantiu que as escolas dos bairros de Periperi e Rio Sena estão em atividade normal.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro