O cenário de destruição na Vila do Índio, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, indica a força das águas durante o temporal dessa terça-feira (23 de janeiro). Moradores se uniram para ajudar uns aos outros na limpeza das casas e na retirada dos móveis tomados pela lama. A calçada virou o ‘depósito’ daqueles que já perderam as contas de quantas vezes foram vitimados pelas enchentes.
Maria Aparecida Soares, de 55 anos, estava sozinha quando a casa foi tomada pela água. “Tive que gritar por socorro para meu filho me ajudar, pois era muita água”. A auxiliar de serviços gerais perdeu o liquidificador, fogão, sofá, micro-ondas e geladeira. “É muita tristeza. A gente não tem dinheiro para ficar comprando tudo de novo. Eu acordo 4h todo dia para ‘ralar’ e comprar minhas coisas. Aí vem a enchente e leva tudo”, desabafa.
O pedido de socorro de Maria Aparecida foi direcionado ao filho Douglas Soares, de 32 anos, que mora próximo a ela. “Tinha acabado de jantar e já me preparava para deitar, pois estava cansado após o dia de trabalho. De repente escutei minha mãe gritando e fui imediatamente para lá, porém não tinha mais jeito. A água já tinha inundado tudo”, conta ele.
Douglas cobra a atenção do poder público para a área. “Em 9 de janeiro, a Urbel veio aqui e nos disse que esta área não é considerada de risco. Só que todo ano isso aqui inunda. Estamos cansados de trabalhar, comprar nossas coisas e perder tudo com a chuva. Será que vão esperar alguém morrer para tomar uma solução? Nós estamos aqui não é por escolha”, diz emocionado. O armador de ferragens perdeu cama, colchão e guarda-roupa. “Meu lar ficou vazio”, diz.
Há 20 anos morando na Vila do Índio, o motorista Sebastião Bento, de 57 anos, diz que já perdeu as contas de quantas vezes teve prejuízo com as chuvas. “Só no ano passado foram três vezes. Nem me recordo de quantas enchentes já enfrentei aqui. Só sei que ao chegar em casa nessa terça me deparei com uma cena horrível de lama na minha casa. O meu sofá, geladeira e guarda-roupa estavam no chão”, relata.
No momento em que O TEMPO visitou a casa de Sebastião, a mulher dele, Cleonice Santos Rosa, de 50 anos, lavava as roupas do casal. “Isso aqui é só um pouco do prejuízo. Perdemos armário e alimentos também”, comenta. Mesmo diante da perda, o casal recorre à fé e segue na esperança de dias melhores. “Continuamos glorificando a Deus, pois quem tem fé conquista tudo novamente”.
‘Sempre a mesma coisa’
Morador da Vila do Índio desde quando nasceu, há 55 anos, o pedreiro Cláudio Machado já se mostra desesperançoso quanto à situação do local onde vive. “Quando chove, é sempre a mesma coisa. É um sofrimento só. A água veio tão forte que até arrancou o portão da nossa casa. O meu muro caiu também. O pior de tudo é o cheiro forte da água do córrego por causa do esgoto”.
A mulher de Cláudio, Maria Mendes, buscava forças para terminar de lavar a casa, visto que em alguns cômodos a lama se fazia presente. “Estou limpando e fazendo a contagem de tudo que perdi. O meu fogão ficou todo cheio de água. Ainda nem terminei de pagá-lo. A geladeira está com um cheiro horrível. Estou cansada, pois não consegui dormir. Até fui para a casa de uma filha, mas quando fechava os olhos só vinha na mente a minha casinha destruída”, lamenta.
Medo de mais chuva
A meteorologia prevê mais chuvas para Belo Horizonte nos próximos dias. Por causa disso, a cozinheira Célia Pereira, de 49 anos, ainda não voltou com os móveis para os lugares. “Estou com medo de a casa encher de água novamente e eu perder o resto das coisas que tenho. A chuva de terça foi só Deus na nossa vida. Meus vizinhos se uniram e levantaram as minhas coisas para o alto. Por lá elas estão”, relata ela.
O que a comunidade deseja?
Uma das líderes comunitárias da Vila do Índio é Elizângela Matos de Souza, de 42 anos. Ela comenta sobre a reivindicação dos moradores. “As pessoas precisam ser retiradas desta área. Estamos em busca disso. Também necessitamos de obras aqui na região. Paliativos não dá mais. Só que a prefeitura fala que precisa fazer novos projetos, pois os antigos estão desatualizados. Isso vai demorar, no mínimo, dois anos. Não podemos mais esperar”.
A prefeitura foi procurada pela reportagem e o retorno é aguardado.