Aporte mínimo de R$ 100 mensais para apostar em um segmento até então promissor. Alguém pode até pensar que a gente vai falar de grandes marketplaces do varejo, do setor do imobiliário ou de marcas extremamente valiosas na bolsa. Mas não. Na onda da definição de um marco regulatório no Brasil, que regulamenta o cultivo para fins medicinais e a comercialização de medicamentos à base de cannabis, o mercado de ativos que começa a chamar atenção é o da indústria da maconha.
Após a Comissão Especial da Câmara de Deputados ter aprovado no dia 8 de junho o Projeto de Lei (PL) 399/15, em um pouco mais de mês, os fundos de investimento nesse mercado, administrados pela corretora Vitreo, já somam 8,6 mil de investidores qualificados (com carteira acima de R$ 1 milhão) e mais os 12,3 mil clientes em outra opção de fundo voltada para o público geral. Juntos, os dois respondem por cerca de R$ 60 milhões de patrimônio.
Na verdade, mesmo que sejam fundos criados aqui e gerenciados pela corretora paulista, o investimento ainda é no mercado de fora, principalmente de países como os Estados Unidos e Canadá. Dois fundos de ações voltados para a cannabis estão autorizados a operar, ambos da Vitreo, conforme consta da lista na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável por fiscalizar e normatizar o mercado de investimentos no país. Um é Vitreo Canabidiol e o Vitreo Cannabis Ativo, como explica o sócio e chefe de gestão da Vitreo, George Wachsmann.
“Nosso fundo só investe em ações listadas no setor e, por enquanto, no Brasil, não tem nenhuma ação registrada da indústria da cannabis na Bolsa de Valores (B3). Mas vemos com muitos bons olhos esse avanço regulatório, porque é esse processo que vai acontecer no mundo todo, de um jeito ou de outro. Mais cedo ou mais tarde, todos os países vão ter que resolver esse tabu”.
Wachsmann comenta quais as principais características dos fundos. O Canabidiol entrou em operação no final de 2019, mas passou por alterações no que diz respeito ao tamanho do aporte mínimo e o formato. “O Canabidiol, quando foi criado, tinha investimento mínimo de R$ 5 mil. Depois, passou para R$ 1 mil e, agora, R$ 100. Porém, ele é voltado para o investidor qualificado e o Cannabis, que lançamos mais recentemente, é para qualquer tipo de investidor. Montamos um fundo com várias ações de empresas americanas e canadenses relacionadas com o plantio, logística, na área de medicamentos, de alimentos e bebidas, focadas nesse setor”.
O tamanho da expectativa em torno do dinheiro e do volume de negócios que a indústria da maconha tem demonstrado que é capaz de movimentar é na mesma dimensão do risco desse tipo de investimento: “Esse é um investimento arriscado para horizonte de longo prazo, então, é um ativo que dever compor uma parcela de risco da carteira do cliente que deve buscar diversificação. A composição do fundo conta com ações de um setor que ainda está se consolidando, o que depende da aprovação do uso medicinal e recreativo da cannabis em vários mercados. Por mais que a gente esteja animado, é essencial que as pessoas tenham cuidado”, alerta Wachsmann.
Além de ser um ativo de renda variável, a cautela tem a ver, sobretudo, com a questão cambial. “Os Estados Unidos, por exemplo, é um mercado que já ultrapassou os 20 bilhões de dólares. No entanto, é um setor que esse ano já subiu bastante e caiu muito também. Ou seja, o câmbio acaba entrando na conta. Apesar da gente investir em reais, todo o recurso vai para o exterior e aí fica vulnerável ao comportamento do dólar”.
Lá fora, a cannabis desponta na indústria têxtil, farmacêutica, cosmética, uso recreativo, bebidas e alimentos. E a medicina ainda tem muita coisa para descobrir sobre isso. Canadá, Uruguai e em estados americanos como a Dakota do Sul, a maconha é liberada, inclusive para uso recreativo. Em Israel, África do Sul, Geórgia e Luxemburgo, o consumo é autorizado com restrições, além de outros países – que assim como o Brasil – estão em processo de legalização gradativo.
O jornalista baiano Rafael Velame é um desses novos investidores no mercado da cannabis, quando passou a ser cotista de um dos fundos da Vitreo, em março. Ciente do risco, o tamanho do aporte inicial de R$ 2,5 mil. “O fundo cannabis sempre me atraiu, mas ele tem um risco alto, então esperei ter uma grana que eu poderia perder sem ‘fazer falta’ pra arriscar nele”, afirma.
As apostas de Rafael foram no canabidiol. “Investi por acreditar na rentabilidade, mas também para fortalecer todo o ecossistema ao redor da substância por acreditar que isso pode resultar no aumento das descobertas de novos tratamentos que ajudarão muitas pessoas no futuro. Leio muito sobre o assunto e acredito ser um mercado em expansão no Brasil e principalmente no mundo”.
Limitações
E por falar em regulamentação, a PL 399/15, que altera a legislação que normatiza o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei 11.343/06) e autoriza o plantio de maconha no Brasil para fins medicinais e científicos, ainda não chegou ao Senado. Isto por que, com base em informações apuradas pelo CORREIO, o deputado Diego Garcia (Podemos-PR) apresentou recurso contra a apreciação conclusiva da proposta nas comissões técnicas.
Segundo a Câmara de Deputados, o recurso, subscrito por 129 deputados, aguarda deliberação. Caso o recurso seja aprovado, a proposta também deve ser analisada e votada em plenário, antes de seguir para o Senado. Para o analista técnico de ações e consultor financeiro para o aplicativo de gestão de investimentos Kinvo, Beto Assad, por mais que o mercado se mostre atrativo, o investidor mais atento ainda precisa ficar de olho no cenário político, que pode atrapalhar o estabelecimento mais concreto do setor no país.
“Como todo novo segmento, vejo boas possibilidades de ganho. Entretanto, no Brasil, o projeto precisa passar no Senado e pode ser vetado. Isso acaba sendo um contrassenso, uma vez que medicamentos à base de canabidiol podem ser importados ou produzidos no país, mas ainda não se pode produzir a matéria-prima. Tudo isso precisa ser analisado por quem quer se expor no mercado da cannabis”, análise.
E para qualquer investimento, a orientação é conhecer o prospecto do fundo e entender quais os tipos de risco envolvidos, suas características e possíveis cobranças de taxas de administração e performance. Também vale a pena buscar sempre informações com especialistas. “Se o investidor acredita no setor, deve estar preparado para a volatilidade típica desse mercado e só fazer o resgate em caso de necessidade ou por não acreditar mais que o segmento possa se valorizar”.
GLOSSÁRIO
O que são fundos de investimento?
Em linhas gerais, um fundo é quando várias pessoas se juntam para investir. Cada cota é proporcional ao valor investido por cada participante do fundo, administrado por uma corretora.
O que é a CVM?
A Comissão de Valores Mobiliários é órgão vinculado ao Ministério da Economia, responsável por regulamentar e fiscalizar o mercado de investimentos no Brasil. Antes de investir em qualquer produto financeiro, vale consultar no portal a lista de fundos registrados: cvmweb.cvm.gov.br.
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