A cantora Clariana, 29 anos, relata crimes. Pedalar em Salvador deixou de ser algo puramente prazeroso. É também uma atividade de risco, principalmente na ciclovia entre a orla da Boca do Rio e a Pituba. “Fiquei traumatizada. Prefiro passar entre os carros”, disse a cantora Clariana, 29 anos, que usou as redes sociais para denunciar a falta de segurança, quando teve a bicicleta roubada no trecho no último dia 6. Em 53 dias, pelo menos 12 bicicletas foram levadas por criminosos no local, de acordo com levantamento obtido pelo Correio junto a grupos de ciclistas. Em um dos casos, um adolescente foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte). “ Às vezes, a gente nem reage e estas pessoas fazem isso, sem nada a perder, uma atitude drástica, acabando com a vida de pessoas, causando também uma tragédia às famílias. Fiquei horrorizada”, declarou a cantora, em relação à morte de Mateus da Conceição de Jesus, de 17, esfaqueado quando teve a bicicleta roubada no bairro da Boca do Rio, no dia 27 de novembro deste ano. Testemunhas contaram que ele foi abordado por um homem armado com uma faca, que o roubou na pista de ciclismo e o atingiu na região do peito. Após o crime, o agressor fugiu no sentido do bairro de Itapuã. “Tive a sorte de não ter acontecido coisa pior comigo”, disse Clariana. “No dia do roubo, saí de Piatã com destino à Barra. Quando cheguei no trecho, um menino pulou de um corrimão e me parou. Nessa, reagi e acabei caindo e ele fugiu com a minha bike, que valia entre R$ 2 mil e R$ 2.500, mas a gente sabe que tem outras que custam mais R$ 20 mil e todas correm esse risco”, relatou ela, que ainda não recuperou a bicicleta. “A falta de segurança é grande. Vários relatos chegaram até mim, depois de eu ter exposto a situação na internet, inclusive pessoas que foram agredidas”, disse ela, que ficou com escoriações após a queda. Essa foi a segunda vez que que ela foi vítima de roubo na mesma situação e no mesmo local. O assalto à cantora na orla aconteceu por volta das 16h, logo após o Parque do Costa Azul, trecho que compreende uma rede de fast-food e a Arena Aquática de Salvador. No mesmo local, no dia 15 de outubro, a empresária Cláudia de Oliveira Alves, 27, pedalava junto com o marido e uma amiga, quando a bicicleta de um deles foi levada por criminosos. “Deixamos as bikes encostadas num canto para dar um mergulho. Quando já estávamos perto da água, eles agiram. Pegaram a primeira bike, a de minha amiga, que tinha poucos dias de comprada por R$ 4 mil”, contou Cláudia. Essa parte da ciclovia fica abaixo do nível da rua e ciclistas entrevistados pelo CORREIO apontam que a maioria dos casos, ocorridos entre os dias 15 de outubro e 6 de dezembro, aconteceu neste trecho. Segundo eles, são 365 metros de tensão. “É o local mais vulnerável. Os caras fingem que estão caminhando na orla e pulam e quem está embaixo é surpreendido. Já quem está andando em cima não tem como ajudar, porque não vê nada”, declarou o funcionário público Iulo Lobo, 47, do Grupo Corda do Caranguejo, que há 7 anos pedala uma vez na semana em Salvador e conta hoje com 130 integrantes. Entre as ocorrências está o roubo do dia 21 de outubro. Duas bikes foram levadas por volta das 12h, atrás das quadras do Jardim dos Namorados, próximo aos bares. Os bandidos fugiram em direção ao bairro de Amaralina. Seis dias depois, duas bicicletas foram tomadas no mesmo local, mas em horários muito próximos – às 11h20 e às 11h30 – e há suspeita por parte das vítimas que seja a mesma quadrilha. Mas os criminosos não agem somente na orla. No dia 21 de novembro, três homens, um deles seria um adulto, entraram numa loja de bicicletas, na Avenida Manoel Dias da Silva, que fica a um quilômetro das demais ocorrências, e anunciaram o assalto. O maior estava armado com uma faca do tipo peixeira e ameaçou o dono da loja. Foram levadas três bicicletas. Um professor de uma academia localizada na região da Pituba contou que no dia 25 deste mês foi surpreendido por quatro homens que saíram da praia e o empurram de uma das unidades do Bike Itaú, nas imediações do Jardim dos Namorados. “Isso foi 1h30 da tarde. Levaram meu celular e a bicicleta támbém. Pelo aplicativo, vi que ela (bicicleta) estava na estação de Amaralina, mas não sei se foi eles que deixaram ou alguém que a encontro largada”, disse a vítima, que preferiu não revelar o nome. Este e outros relatos fazem parte dos dados usados na reportagem. “A maioria das bicicletas roubadas não são as mais caras, ou seja, não são de treino ou competidão, que custam entre R$ 8 mil e R$ R$ 120 mil. Eles estão levando bikes de mobilidade urbana, que são as mais baratas para deslocamento, que são vendidas inteiras ou desmontas em sites de comprar e venda”, relatou Iulo Lobo, um dos responsáveis pelo levantamento das informações. O motorista Jorge Fortuna, 64, disse que uma amiga que costuma pedalar com ele por pouco não levou uma facada no Jardim dos Namorados há cerca de dois meses. Neste dia, ela estava sozinha. “Em deles a derrubou, por volta das 6h, e por pouco não cravou a faca no peito dela, uma senhora. O alvo preferido deles são mulheres e idosos”, relatou. Na mesma ocasião, mas na Boca do Rio, Fortuna foi já ameaçado ao tentar impedir a ação de criminosos. “Há dois meses, tentei ajudar uma pessoa que era abordada por um ladrão e fui ameaçado com uma faca”, contou. Ele disse ainda que as pessoas que vão a uma das estações da Bike Itaú nas imediações do Circo Picolino são alvos fáceis para outros criminosos. “Homens de moto pararam e levam tudo de quem vai fazer uso do serviço, que é acionado através de aplicativo”, disse. Edivan Cruz, 45, é dono de uma escola de bicicleta. Segundo ele, as ciclovias são perigosas a qualquer hora, mas há momentos em que a situação é mais frequente. “Pela manhã tem mais pessoas circulando e é quando fica uma viatura parada perto de uma quadra na Vila dos Namorados, mas entre 12h e 13h, que são horários com menos gente, e justamente quando os policiais vão embora, é que eles (ladrões) aproveitam para agir”, disse. Cruz aponta também outros da via que são arriscados para quem pedala. “Outro ponto perigoso é trecho (da ciclovia) atrás do Centro de Convenções e uma ladeira perto do antigo Clube do Bahia, porque você perde a velocidade pra subir e eles (ladrões) aproveitam para assaltar e depois correm para a Boca do Rio”, emendou. Segundo ele, apesar de mais baratas em relação aos modelos de competição, as bicicletas de locomoção urbana podem ser asseguradas. O valor em média é de R$ 300. “Mas pretendo colocar o chip, que custa R$ 100, porque tenho 40 bikes e não dá pra fazer o seguro de todas. Porém adianto: o chip é para localizar e tentar recuperar e o seguro é pra ter o ressarcimento. Quem deve impedir o furto e o roubo é a segurança pública. Se ela não for eficiente, não adianta nada”, declarou Cruz, que emendou: “Antigamente, a demanda maior era de furto, que é menos assustador. Hoje, é de agressão. Estão derrubando as pessoas. Todos nós estamos em pânico. A gente pega a bicicleta como um lazer e não sabe se volta vivo. Ninguém esquece o que aconteceu com o menino da Boca do Rio e o rapaz do Dique do Tororó”, disse ele, mencionando as mortes do adolescente Mateus e do ciclista de 24 anos, Rodrigo Castro, vítima também de latrocínio no dia 01 de junho de 2022. Ele pedalava com a namorada no Dique, quando o casal foi surpreendido por dois homens – um deles atirou e levou a bicicleta. E a insegurança não paira somente no trecho Boca do Rio/Pituba. A ciclovia da Avenida Paralela “é bastante perigosa”. “ São mais de 12 km, que vão do Hospital Sarah até estação de metrô de Mussurunga. Ali não tem câmeras de vigilância, tampouco policiamento. As pessoas ficam vulneráveis. A situação é…