No dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28, rompia-se a barragem da Vale que matou 272 pessoas na cidade de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Cerca de 30 minutos depois do colapso da estrutura, o bairro Parque da Cachoeira tinha 16 casas soterradas pelos rejeitos, sendo considerado o último ponto em que a “avalanche de lama” deixou mortos.
Estradas que conectavam a região foram destruídas pela lama e isolaram os habitantes locais, mas, hoje, mesmo após a reabertura das vias, os moradores que sobraram na comunidade sofrem um novo tipo de segregação: a maioria dos antigos habitantes vendeu seus imóveis para a Vale, deixando uma minoria “cercada” por casas vazias.
Cinco anos atrás, Marlene de Rezende, 69, e o irmão Antônio Rezende, 67, presenciaram o momento em que a lama passou nos fundos da casa onde moram. O humilde imóvel, atualmente, está rodeado por casas e terrenos vazios. Nos locais, há apenas placas que identificam a presença de uma propriedade particular em um território que parece pertencer totalmente à mineradora. Além dos cães da casa, os urubus são os únicos seres vivos com os quais o casal tem contato.
O isolamento cria dificuldades principalmente em situações de emergência. Em novembro de 2023, Antônio sofreu um infarto durante a noite e, sem nenhum vizinho para ajudá-los, Marlene – que tem problemas de mobilidade – precisou subir um morro com cerca de 1 km de extensão para pedir socorro na casa da sobrinha. “Aqui é um lugar isolado, principalmente para os dois, né? Se tivesse algum vizinho, poderia ter socorrido meu tio mais rápido. Eles ficam aqui isolados, isso sem falar na poeira, no barulho das máquinas dia e noite”, reclama a sobrinha Simone Rezende, 52.
Negociação fechada
A advogada Luana de Souza representa algumas das famílias que ainda vivem no bairro. Ela conta que tudo começou com o termo de compromisso firmado pela Vale com a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), em abril de 2019.
“O que tem acontecido é que a Defensoria não está fiscalizando se o TCO está sendo cumprido. Existem, sim, moradores que não quiseram, inicialmente, vender a terra, por causa do apego de alguns. São pessoas muito simples, traumatizadas, algumas até analfabetas. Para você conseguir convencer pessoas que viveram ali por 30, 40 anos a sair das casas é muito difícil”, analisa.
O termo garante indenização para as pessoas que decidiram ficar. “O termo é genérico. Um exemplo de uma falha constatada é que não existe, por exemplo, uma data-limite para que esses atingidos possam requerer os seus direitos. Mas quem não quis vender inicialmente agora não consegue mais, pois a Vale fechou essa negociação”, completou Luana.
Arquiteta e urbanista contratada por advogados dos moradores que lutam para serem indenizados pela Vale, Stefane Dias pontua que, durante o seu estudo, foi constatada uma divisão do bairro em dois: Parque da Cachoeira e Parque do Lago.
“Ela só existe por questões cartoriais; a comunidade é uma só. A mineradora inclusive chegou a indenizar imóveis do Parque do Lago, que é a parte superior do bairro, mas passou a negar as indenizações. Importante salientar que, em todos os estudos e relatórios entregues pela Vale aos órgãos públicos, a comunidade é considerada como uma só, a distinção só está ocorrendo na hora de indenizar. Defendemos que a Vale deveria reabrir a via extrajudicial para reavaliar os casos em que foi negada a compra do imóvel”, argumenta a arquiteta.
Questionada sobre a situação dos moradores do local, a Vale informou, por nota, que a indenização de propriedades dos bairros segue os critérios estabelecidos pelo termo de compromisso firmado. “Atualmente, está em andamento um estudo para avaliar o uso futuro desses imóveis, considerando as demandas e características da região”, concluiu.
DPMG não conhece a situação da região
Questionada sobre a situação dos moradores isolados no bairro Parque da Cachoeira, a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) informou, por nota, que “não tem conhecimento da situação”, colocando-se à disposição para “prestar atendimento e orientações às pessoas atingidas”.
O defensor público Antônio Lopes de Carvalho Filho explicou que, para atuar nos casos dos isolados no bairro, seria necessária a demanda dos próprios moradores ao órgão, o que não teria ocorrido.
“Hoje, não tenho nenhum procedimento individual aberto que tenha como objeto a indenização imobiliária pelo isolamento das pessoas (…). Mas essas pessoas podem nos acionar, a nossa sede está em Brumadinho e está aberta para que esse atendimento seja feito”, garantiu.
Porém, segundo a enfermeira Lídia Gonçalves, 55, da Associação Comunitária dos Bairros Parque do Lago, Parque da Cachoeira e Alberto Flores (Acopapa), a Defensoria Pública de Minas Gerais já foi comunicada mais de uma vez sobre o problema nos últimos anos. “Sempre acionamos a Defensoria, nos reunimos inúmeras vezes. Inclusive, entregamos um aditivo referente ao termo de compromisso e não tivemos retorno”, argumentou Lídia.