Em um cenário de judicialização em alta para se garantir acesso a consultas e medicamentos, a população é forçada a buscar alternativas de sobrevivência e a arcar com os custos da saúde. Estimativa da consultoria IPC Maps feita com exclusividade para O TEMPO mostra que os mineiros deverão gastar R$ 46,9 bilhões para custear remédios, planos, além de tratamentos médicos e dentários particulares em 2023. É o maior desembolso da série histórica em 29 anos de pesquisa. Em Belo Horizonte, as projeções são que a população invista R$ 8,12 bilhões, número também recorde.
Para se ter uma ideia do que essas cifras representam, em um Estado com cerca de 21 milhões de habitantes, um gasto de R$ 46,9 bilhões equivale a dizer que a saúde custará R$ 2.200 para cada mineiro. Mas a conta não é tão simples: alguns pagam mais, e muitos não têm dinheiro e aguardam na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) a solução ou improvisam.
Depois de ver os recursos da família serem empregados em saúde em uma proporção cada vez maior, Karina Icasatti, 48, buscou qualificação e praticamente se transformou na “terapeuta” do filho Gabriel, 11, nas horas vagas. A criança tem síndrome de Down, nasceu com uma cardiopatia (problema no coração) e com apraxia da fala (distúrbio que afeta a comunicação verbal), além de conviver com algumas sequelas motoras após um Acidente Vascular Cerebral (AVC) ocorrido em função de um diagnóstico equivocado. Graças às terapias e após muito empenho da mãe, ele aprendeu a andar aos 9 anos e hoje tem uma vida muito ativa.
A família chegou a investir mais de R$ 7.000 mensais para bancar dois planos de saúde e as terapias que não tinham cobertura das operadoras contratadas. “A saúde é uma novela porque a gente pode ter planos, mas, se não tiver os profissionais que precisamos, as opções são pagar ou ir para o SUS. O problema é que nem tudo tem na rede pública e o custo na rede particular é altíssimo. Já chegamos a pagar fisioterapia cinco vezes na semana, sendo cada uma R$ 180”, conta Karina.
Ela então fez cursos e aprendeu como estimular Gabriel em casa para reduzir os gastos e o desgaste de enfrentar trânsito com o filho diariamente. Agora, o gasto mensal familiar é de cerca de R$ 3.000 com saúde, e Gabriel pôde passar da escola pública para a particular. “Priorizamos a saúde. Agora, conseguimos pagar a escola. Mas o maior gasto na nossa família é com saúde, sem dúvida alguma”, diz.
No caso de Karina, o que pesa mais no orçamento são as terapias alternativas, mas o alto preço da saúde tem explicações mais amplas, segundo o diretor da IPC Maps, Marcos Pazzini. “Os idosos precisam passar por mais exames médicos e costumam depender de mais medicamentos para ter qualidade de vida. Quanto mais a população envelhece, mais se gasta com saúde. Se pensarmos na pandemia, vamos ver também uma preocupação maior das pessoas com as condições físicas porque estiveram mais próximas da morte, e várias hoje convivem com as sequelas de Covid-19”, explica.
Economista da Fundação Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipead), Diogo Santos aponta uma “confluência de fatores” na tentativa de explicar o alto custo do setor.
“Os aumentos de preços de produtos e serviços de saúde no Brasil nos últimos anos são resultado, por um lado, da alta dependência do país da importação de medicamentos, de fármacos e de equipamentos médico-hospitalares. Por outro lado, nos últimos anos, tivemos um impacto muito forte da pandemia sobre as cadeias de produção no mundo inteiro, gerando escassez, aumentos de custo de produção e também uma desvalorização da moeda brasileira, que faz com que tudo que nós importamos fique mais caro”, argumenta o especialista.
Brasileiros empurrados para a pobreza
A alta dos custos da saúde tem impactos econômicos e sociais: a cada ano, mais de 10 milhões de brasileiros são empurrados para a pobreza por causa desses gastos, de acordo com o Banco Mundial. Para especialistas, a conjunção de fatores, que incluem altos preços de produtos básicos para a sobrevivência, como os medicamentos, o empobrecimento da população e a indisponibilidade de recursos na rede pública, é uma mistura perigosa que “explode” nas mãos do Judiciário em um aumento vertiginoso de ações.
O empobrecimento detectado pela pesquisa tem uma explicação simples, como mostra o economista da Fundação Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipead) Diogo Santos: “Esses aumentos dos custos da saúde geram também uma diminuição do orçamento disponível das famílias para gastos com outras despesas”, pondera ele.
Para o especialista, parte da solução do problema da saúde é econômica. “É muito importante que existam no país políticas ativas dos governos para desenvolver o complexo econômico industrial da saúde. Ou seja, expandir a produção, no Brasil, de bens ligados ao setor, como medicamentos. A medida pode ampliar a oferta dos serviços e ao mesmo tempo gerar emprego, desenvolvimento e melhorar o acesso da população à saúde ampla, de qualidade e gratuita”.
Números
Em Belo Horizonte, por exemplo, a alta dos preços de produtos e serviços ligados à saúde de outubro de 2020 a ssetembro de 2023 foi bem acima da inflação acumulada no período. Enquanto o IPCA, inflação medida pela Fundação Ipead, no período ficou eem 25,77% os produtos farmacêuticos encareceram em média 37,36%; os óculos e lentes, 45,8%; os planos de saúde, 25,74%; serviços médicos e dentários, 11,43%; e serviços laboratoriais e hospitalares, 41,17%.