O paulistano Salvador Evangelista, mais conhecido como Vângelis, tinha paixão pelo ofício de voar. Naquele 29 de setembro de 1988 – quando o Boeing da Vasp foi sequestrado em Confins (MG) com intenção de ser arremessado no Palácio do Planalto – o copiloto não estava escalado para trabalhar. Mas trocou o voo para poder estar ao lado da única filha, Wendy, e celebrar seus 8 anos de vida no dia 4 de outubro. “Meu pai sempre foi muito presente, mesmo quando ele se separou da minha mãe. Eu voava muito com ele, já tinha passado Natal, ano novo, dentro de um avião por conta do trabalho dele. Os aeroportos eram extensões da minha casa. Então era algo pertinente ele trocar a escala para estar comigo no meu aniversário”, diz Wendy Evangelista, hoje com 43 anos. No dia do sequestro, ela estava com os avós em Curitiba, onde ainda mora, à espera do pai e estranhou quando a deixaram brincar na casa de uma vizinha. “Não era comum a minha avó fazer isso. E lembro que nem ligamos a TV. Não acompanhei nada. Estranhei quando vi a minha mãe chegado com uma tia e a mala do meu pai estava no quarto da minha avó. Ali vi que tinha alguma coisa estranha”, recorda Wendy que nunca buscou muitas imagens e nem informações da época. Do próprio aniversário de 8 anos, celebrado seis dias após a tragédia, ela não se recorda. “Sei que minha avó fez um bolinho, para não deixar passar em branco. Há pouco tempo achei uma foto dessa festinha e não tem ninguém sorrindo. Mas, memória desse dia eu não tenho”, conta.
Tragédias pessoais Por ironia do destino, Wendy Evangelista teve três tragédias envolvendo a aviação. Além do pai Salvador, que morreu após levar um tiro do sequestrador Raimundo Nonato dentro da cabine de comando, pouco tempo depois, o padrasto pilotava uma aeronave que caiu no mar. E não para por aí. Wendy ainda perdeu a irmã em um acidente de carro. O corpo teve que ser levado para casa num traslado aéreo. “Tudo isso me impactou demais. Avião virou sinônimo de coisas ruins. Fiquei muitos anos sem voar. Mas eu consegui fazer um tratamento porque aquilo estava restringindo muito a minha vida e a dos meus filhos. E hoje me tornei psicóloga especializada em tratar justamente o medo de voar, a aerofobia”, revela. Wendy Evangelista, que assistiu ao “O Sequestro do Voo 375” três vezes e quer levar o avô para ver, diz que passar por isso foi se reconectar com a própria história. Ela também acompanhou algumas filmagens no set de gravação e teve contato com a equipe de produção e com os atores, inclusive com César Mello, que interpreta Vângelis no longa. “Ele foi um ser humano fantástico e foi muito cuidadoso comigo. O César tem um sorriso que lembra muito o sorriso expansivo e largo do meu pai. Mesmo o papel não sendo tão extenso, ele queria ser o mais fiel possível e entender quem foi aquele homem, dono daquela história”, celebra.
Reviver o passado diante da telona não foi fácil, mas necessário. “A emoção (de assistir ao filme) valeu a dor. Valeu a pena cutucar a ferida para ter contato com o pessoal da produção, dos atores, conhecer o set. O filme retrata o fim do meu pai; ele morreu no lugar que ele amava e sempre sonhou e batalhou para estar e trocou a escala para poder passar o meu aniversário comigo, o que não acabou acontecendo”, lamenta. Wendy Evangelista admite que já teve sua fase mais rebelde e de revolta e que de certa forma, até entende um pouco as razões de Raimundo Nonato. Mas que nada justifica o crime que ele cometeu. “Ele tinha uma revolta social e não sou contra nada disso. Mas levantar bandeira não te dá o direito de pegar o mastro e bater em mais ninguém. Meu pai não era o alvo. Ele era trabalhador, tinha 34 anos, arrimo de família, ainda ajudava os meus avós e teve a vida ceifada. Passei por maus bocados sim, mas consegui me reerguer. Sou muito grata por ser filha de quem eu sou. Costumo dizer que o que vivi em apenas 8 anos com meu pai, tem gente que passa a vida inteira com o pai vivo e não tem”, frisa ela que também tinha uma ligação especial com o comandante Fernando Murilo, que morreu em 2020, aos 73 anos, de uma septicemia causada por complicações de uma cirurgia.
“Ele era padrinho da minha filha mais velha. Fico feliz que esse filme resgate o heroísmo do meu pai e, principalmente, dele. Uma pena que o comandante Murilo não esteja aqui para ver o resultado até porque, no caso da minha família, nunca recebemos nenhuma indenização e apenas uma medalha de Ordem do Mérito Aeronáutico”, afirma.
Pura emoção A comoção também tomou conta de Fernando Alves de Lima e Silva, 49, filho do grande herói dessa história, o comandante Fernando Murilo de Lima e Silva. “Foi emocionante ver a história transcrita para o cinema. Sucesso total esse filme. É uma superprodução espetacular e não fica devendo em nada a filmes de Hollywood. Ótimos atores, roteiro, parte técnica. Eu estou muito feliz e garanto que meu está muito feliz onde ele estiver porque ele era o maior entusiasta deste filme. Quando o Constâncio Viana (produtor) o procurou pela primeira vez, ele ficou muito empolgado. Ele adorava contar essa história pra todo mundo, imprensa. A família está muito feliz e foi uma justa homenagem pra ele. Acabou que esse filme conta também uma parte da história do Brasil que muitos desconhecem”, frisa.
“O Sequestro do Voo 375” não deixa também de ser uma homenagem ao próprio comandante Murilo que, em vida, nunca teve seus feitos devidamente reconhecidos e nem sequer recebeu um telefonema do então presidente Sarney para agradecê-lo “Quando a gente fala sobre as motivações do filme, esse também foi um dos objetivos, ou seja, de um reconhecimento, que ele nunca teve, a um heroísmo. Acho que o filme cumpre um pouco esse papel também”, frisa o diretor Marcus Baldini. !function(e,t,n,c,o,a,f)(o=e.fbq=function()o.callMethod?o.callMethod.apply(o,arguments):o.queue.push(arguments),e._fbq(window,document,”script”),fbq(“init”,”6157506134366228″),fbq(“track”,”PageView”)