Tiago Tadeu Mendes da Silva havia completado 34 anos duas semanas antes de sua trajetória ser interrompida pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho na região metropolitana de Belo Horizonte. Igualmente funcionário da empresa, como a maioria das 272 pessoas mortas em 25 de janeiro de 2019, ele é uma das três vítimas cujos corpos ainda não foram encontrados pelo Corpo de Bombeiros, apesar das buscas diárias.
Cinco anos após a tragédia, a família de Tiago pede o encerramento das operações de busca por seus restos mortais. Daiana Mendes Almeida, de 37 anos, é irmã de Tiago e falou com a imprensa pela primeira vez desde o incidente. Ela, seus pais e os outros dois irmãos da vítima, Diego e Deise, integram o grupo que deseja o fim das buscas – que, de acordo com a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina de Córrego do Feijão (Avabrum), inclui a família de outra “joia”, como as vítimas da tragédia são chamadas.
“Talvez, alguns meses atrás, eu nunca teria considerado dizer isso. Mas agora, com cinco anos se passando, a realidade está se estabelecendo. O que posso dizer é que minha família e a família de Tiago não têm mais esperança de encontrá-lo. O que pode acontecer, daqui a sei lá quanto tempo de espera, seja um mês ou mais cinco anos, é talvez a identificação de Tiago. Mas ele já está identificado, era um trabalhador da empresa, estava no local. Ele foi assassinado enquanto trabalhava lá”, disse Daiana durante uma conversa longa em que, na maior parte do tempo, sua voz falhava, sufocada pelo choro que insistia em vir à tona apesar de seu esforço para não desmoronar.
Para ela, não será mais possível homenagear ou se despedir do irmão no cemitério onde, desde 2019, sua família adquiriu um jazigo. Isso porque, segundo Daiana, já não há mais corpo, apenas fragmentos. “O que mais me perturba, me angustia, é não saber o que acontecerá com o local onde o crime ocorreu. O que acontecerá com a mina de Córrego do Feijão e toda a área da lama? Porque meu irmão e a maioria das vítimas estão lá. Para mim, lá é o cemitério deles. Imploro às autoridades que respondam qual será o destino desse lugar, porque o corpo do meu irmão está lá”, questiona a familiar de Tiago.
Parque ocupará área destruída pela lama
Para a família de Tiago, após o encerramento das buscas, a área por onde a lama passou deveria ser transformada em um grande parque, uma espécie de “cemitério” para os parentes das 272 vítimas do rompimento homenagearem os mortos.
“Quero que ali seja feito o verdadeiro cemitério, que a Vale plante muitas flores, muita vegetação, e que as famílias possam ir até lá, que minha mãe possa fazer suas orações para meu irmão, para o coração angustiado, que possamos conversar com ele, sabendo que Tiago está ali”, concluiu Daiana.
No entanto, de acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), é exatamente isso que está previsto. Segundo o órgão, as áreas diretamente afetadas pela lama serão repassadas à Prefeitura Municipal de Brumadinho após a conclusão das obras de recuperação ambiental.
“Entre os compromissos assumidos pela Vale, ficou estabelecido que a empresa deve liderar a execução da recuperação ambiental que possibilite a criação, a instalação e a manutenção do Parque Municipal Ferro-Carvão”, completou a secretaria.
A área total atingida pela lama é de 302,63 hectares, equivalente a cerca de 280 campos de futebol. Desse total, 33,86 hectares são da barragem remanescente e 258,16 hectares correspondem à região do córrego Ferro-Carvão.
Com máquinas pesadas, buscas continuam
Enquanto não houver um consenso entre as famílias das três vítimas ainda não localizadas, o Corpo de Bombeiros continuará trabalhando, dia e noite, no local. A operação, que completa hoje um total de 1.827 dias de trabalho, fez sua última identificação de vítima há 401 dias, em dezembro de 2022.
Entrevistado na base Bravo, onde os trabalhos estão em andamento, o porta-voz dos bombeiros, tenente Henrique Barcellos, explicou como funcionam as buscas. “Já passamos por sete estratégias diferentes, estamos na oitava. São cinco estações de busca, que operam 24 horas por dia, com uma delas interrompida para manutenção. Nessas estações, é feita a separação dos materiais maiores, refinando até encontrarmos o que chamamos de ‘material de interesse’, que pode ser segmentos corporais, um crachá, uma carteira”, explicou.
Quanto ao desejo de parte das famílias de encerrar as buscas, o porta-voz ressaltou que a operação deve se basear em parâmetros técnicos, já que a ação também alimenta as perícias investigativas, mas reconheceu que o processo de luto é diferente para cada um. “O papel das famílias é fundamental, elas visitam a operação semanalmente, além de participar de reuniões mensais”, ponderou.
Durante a entrevista, o militar lembrou ainda das primeiras horas após o rompimento, quando chegou ao local. “Encontramos funcionários desnorteados que escaparam. Pedimos a eles que chamassem pessoas para trazerem tapumes, para abrir trilhas na lama. Um deles mostrou um estacionamento cheio de carros e disse: ‘Não tenho quem chamar. Todos estão soterrados’. Ali, pude ter uma noção da dimensão da tragédia”, relembrou.
Vale se comprometeu a não operar no local da tragédia
Por meio de uma nota, a Vale informou que se compromete a não operar na mina Córrego de Feijão, nem reutilizar os rejeitos retirados durante as operações dos bombeiros. Todo o material recolhido durante as buscas pelos corpos é depositado em uma cava pela mineradora.
“A prioridade continua sendo apoiar o trabalho do Corpo de Bombeiros na busca pelas três vítimas restantes, continuar com a gestão dos rejeitos e dar seguimento ao processo de recuperação ambiental do ribeirão Ferro-Carvão. A definição sobre o uso futuro da área será tratada à medida que as etapas anteriores avançarem”, concluiu.