O Dia do Cinema Brasileiro é comemorado em 19 de junho, data em que Afonso Segreto registrou as primeiras imagens em movimento no Brasil em 1898. Mas com as produções nacionais se destacando entre as estreias, esta quinta-feira (16) também é um bom motivo para comemorar, principalmente porque um dos lançamentos contempla um nome central em nossa cinematografia: Nelson Pereira dos Santos (1928-2018).
A história de um dos maiores diretores do país em “Nelson Pereira dos Santos: Vida de Cinema” entra em cartaz juntamente com “Cafi”, de Lírio Ferreira e Natara Ney, e “Vai e Vem”, de Chica Barbosa e Fernanda Pessoa. Em comum, além do fato de serem documentários, a realização a quatro mãos. “Vida de Cinema” traz a assinatura de Ivelise Ferreira, viúva do cineasta, e Aída Marques, parceira de Nelson nos últimos projetos.
“Ele foi o responsável pela chegada do cinema brasileiro moderno entre nós com o filme ‘Rio, 40 Graus’ (lançado em 1955). Como está dito no documentário, Nelson foi fundamental para o surgimento do Cinema Novo e da Embrafilme. Ele participou disso tudo. Não só nos movimentos estéticos, mas na criação de políticas públicas. Ele estava sempre criando instituições e pensando formas de viabilizar o cinema brasileiro”, registra Aída.
Ivelise sublinha que, a partir de “Rio, 40 Graus”, filme claramente inspirado no movimento neorrealista italiano, o diretor nascido em São Paulo, em 1928, passou a produzir obras com as mais variadas temáticas da nossa cultura. “Os longas-metragens dele representavam o país nos grandes festivais nacionais e internacionais, levando a nossa cultura para todo mundo. Foram seis décadas voltadas para a construção e afirmação do nosso cinema”, destaca.
Muitos desses momentos estão presentes no documentário, a partir da própria fala do homenageado. O filme percorre cronologicamente a trajetória do cineasta, recorrendo a antigas entrevistas feitas para a TV. “Nelson conta a sua história através das entrevistas realizadas ao longo de sua carreira. Assim, ele fala sobre a produção de seus filmes e o que acontecia no país durante as filmagens. É um caminho natural, que veio por meio dos diálogos entre Nelson e as cenas dos filmes”, explica Ivelise.
“Nós contamos a história de Nelson e o pensamento de Nelson através dos filmes, mas também por meio das entrevistas”, acrescenta Aída. “Não dá para separar uma coisa da outra. São orgânicos, com um complementando o outro. Esse recorte se deu porque nós não fizemos nenhuma entrevista com ele especificamente para o filme e aí, pesquisando o material, chegamos a esse conceito como a forma mais eficiente e emocionante de contar essa história”, justifica.
O documentário percorre a filmografia do diretor até determinado ponto, parando em “Memórias do Cárcere” (1984) e deixando fora, por exemplo, “A Terceira Margem do Rio” (1994), baseado em conto de Guimarães Rosa. “Existem duas questões aí. Primeiro, a questão do tempo. Não poderia ser um filme de duas ou três horas. A segunda é uma questão conceitual, porque nós escolhemos os filmes que têm maior relevância na carreira de Nelson”, explica Aída Marques.
Recorte
“Não foi uma decisão fácil de ser tomada, mas concordamos que funcionou”, salienta Ivelise. “Tínhamos que cortar, e a opção foi sair de ‘Memórias do Cárcere’, um dos títulos mais importantes de sua filmografia, para o último filme (‘A Música Segundo Tom Jobim’), considerado pela crítica no Brasil e no exterior inovador e genial”, detalha. Também ficou fora “Jubiabá” (1987), baseado em livro de Jorge Amado, de quem ele já adaptara “Tenda dos Milagres” (1977).
A produção acentua uma das características do realizador: ao mesmo tempo em que se mostrou ativo na consolidação do movimento Cinema Novo, também flertou com o underground norte-americano e buscou assuntos até então pouco abordados, como as religiões de matriz afro-brasileira. Também mostrou um talento raro para levar às telonas peças e livros consagrados, respeitando o estilo dos autores sem deixar de ser original. “Nelson é um cineasta que não ficou preso a uma estética”, reverencia Ivelise.