A investigação da Polícia Federal (PF) que resultou no indiciamento de 32 policiais pela morte de 26 suspeitos durante uma operação em Varginha, no Sul de Minas em outubro de 2021, levanta dúvidas sobre a apuração das corregedorias das polícias Militar (PM) e Rodoviária Federal (PRF). Essa é a análise de especialistas em segurança pública. O relatório entregue ao Ministério Público Federal (MPF) pelos investigadores da PF aponta que houve tortura, homicídio e adulterações de provas.
“O que a PF apontou levanta dúvidas sobre as investigações, já que chegou a uma conclusão diferente da apresentada anteriormente pela PM e PRF. Confesso que o resultado da PF é, no mínimo, desagradável para as corporações envolvidas”, avalia o especialista em segurança Luis Flávio Sapori.
Quando a operação foi realizada no Sul de Minas, o resultado foi visto com bons olhos pelas corporações, sendo classificado como uma ação que teria evitado mais um ataque a caixas eletrônicos com uso de armas pesadas.
“Não é possível afirmar com certeza que a investigação da PF é a verdadeira, mas questiona as demais. Não faz sentido termos resultados divergentes”, afirma Sapori.
O especialista em segurança Arnaldo Conde, por sua vez, acredita que a investigação da PF será levada em consideração pelas corporações. “A PF tem suas razões e certamente reuniu informações e provas para chegar a essa conclusão. A prova é responsabilidade de quem acusa e acredito que tudo será examinado. Qualquer contestação, se houver, será feita nos autos do processo”.
Frente às acusações apontadas no relatório da PF sobre a conduta dos policiais, Sapori defende que as corporações envolvidas devem se pronunciar publicamente. “É o mínimo que se espera”.
O posicionamento dos envolvidos
A PRF informou, por meio de nota, que está colaborando com os órgãos competentes para o “esclarecimento de todos os aspectos da ocorrência”. Além disso, destacou que, em 2023, a Corregedoria-Geral da PRF reabriu um procedimento investigativo “diante da surgimento de novas evidências”.
Em comunicado, a Polícia Militar de Minas Gerais afirmou que “a investigação dos crimes militares é de responsabilidade EXCLUSIVA da Polícia Judiciária Militar”, conforme “os termos do art. 125, §4º da Constituição Federal de 1988, combinado com o art. 144, §4º da CF/88, e de acordo com o art. 142, inciso III, da Constituição do Estado de Minas Gerais, e art.7⁰, “h”, do Decreto Lei 1002/69″.
A PF pode indiciar policiais militares pelas 26 mortes?
A partir de agora, cabe ao MPF avaliar a possibilidade de apresentação de denúncia com base nas provas coletadas e na investigação conduzida. Em comunicado, o órgão afirmou que irá avaliar a possível retomada das investigações sobre o caso, que estavam suspensas “aguardando o resultado das perícias criminais”. Se o Ministério Público concluir que há base para a denúncia, o próximo passo será o julgamento em um Tribunal do Júri. Durante as próximas etapas, a Justiça poderá determinar que a PM assuma essa investigação e encerre o processo.
Relembre a operação
As forças de segurança iniciaram a investigação do grupo em agosto de 2021. No final de outubro, após receber informações sobre um possível assalto em Varginha, uma operação conjunta entre a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) foi montada.
Na manhã de 31 de outubro, os policiais adentraram duas chácaras em que estavam os suspeitos. Conforme a versão oficial da PMMG, na primeira, foram 18 suspeitos mortos; na segunda, outros oito, totalizando 26. A corporação também divulgou que foi recebida com tiros pelos suspeitos.
A ação chegou a ser comemorada pelas autoridades, à época. A porta-voz da PMMG, capitão Layla Brunnela — atualmente major —, disse que aquela era a maior operação referente ao “Novo Cangaço” no país e que “muitos infratores fariam um roubo a banco, naquele dia ou no dia seguinte, e foram surpreendidos pelo serviço de inteligência da PM integrado com a PRF”.
A PRF informou, por meio de nota, que “a quadrilha possuía um verdadeiro arsenal de guerra sendo apreendidos fuzis, metralhadoras ponto 50, explosivos e coletes à prova de balas, além de vários veículos roubados. Foram arrecadados ainda diversos “miguelitos” (objetos perfurantes feitos com pregos retorcidos usados para furar os pneus das viaturas policiais)”.