Ao longo desta semana, o belo-horizontino se viu rodeado de anúncios de promoções, descontos e ofertas especiais do “Dia Mundial do Consumidor”, comemorado neste 15 de março. Mas o que muita gente não sabe é que a data, mais do que uma oportunidade para o comércio atrair clientes, nasceu para ser um marco na luta pelos direitos.
Igor Marchetti, de 35 anos, advogado do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), explica que tudo começou com um discurso do então presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, em 1962, que apontava a importância de existirem relações mais justas entre consumidores e fornecedores, e como isso traria ganhos para a sociedade. Na ocasião, ele afirmou que “consumidores, por definição, somos todos nós”.
A partir desse discurso, segundo Marchetti, houve uma série de ações em todo o mundo. No Brasil, em 1976, foi criado o que viria a ser o atual Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). A Constituição Federal, de 1988, definiu no artigo 5° a proteção do consumidor como um direito fundamental e criou-se, em 1990, um código que reúne normas em sua defesa. “As ofertas e promoções podem ser válidas, mas o que é importante nessa data é a gente garantir direitos”, afirma o advogado.
Nos últimos anos, foram muitas as vitórias aos consumidores, lembra Marchetti. Ele cita, por exemplo, a lei geral de proteção de dados, de 2018, que resguarda informações sensíveis dos cidadãos, sobretudo no que se refere às relações de consumo e a Lei do Superendividamento, de 2021, que garante que a pessoa consiga renegociar suas dívidas e manter o mínimo para se sustentar. “Uma conquista, que a gente ainda está brigando, é a questão dos selos de identificação de gordura saturada, sódio e açúcar nos rótulos dos alimentos. Essa é uma pauta que nós do Idec tivemos muita participação. A Anvisa [Agência de Vigilância Sanitária] colocou a lupa, mas flexibilizou muito para as empresas, prorrogando o prazo para entrar em vigor”, lembra.
As novas normas de rotulagem da Anvisa entraram em vigor em 2022, mas a agência permitiu, no ano passado, que a indústria esgotasse os estoques de embalagens antigas até outubro deste ano. O objetivo é que os novos rótulos facilitem a compreensão das informações nutricionais de um produto para que o consumidor realize escolhas mais conscientes.
Equipe do Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec). Foto: Idec/Divulgação
Monitoramento de queixas e fiscalização garantem direitos
Na última quarta-feira (11/3), o Idec divulgou um ranking das principais queixas dos consumidores no último ano e, mais uma vez, os planos de saúde lideram. Segundo o levantamento, o segmento atingiu o maior percentual (29,3%) em relação aos outros temas desde 2018, com exceção de 2020, quando foram superados pelos serviços financeiros.
Marchetti destaca que a principal luta dos órgãos de defesa do consumidor neste seara é contra os reajustes abusivos dos planos coletivos, de 30% a 40% por ano, mas também há problemas recorrentes com descredenciamento e negativa de reembolsos.
“Nós tivemos uma decisão do STJ [Superior Tribunal de Justiça]em 2022, que determinou que para que o consumidor tivesse direito ao reembolso, ele precisava comprovar o pagamento do valor”, explica o advogado, esclarecendo que as operadoras passaram a exigir extratos bancários no lugar de notas fiscais e recibos de prestadores de serviço. “No entendimento do Idec, da Lei Geral de Proteção de Dados, é abusivo. [..] Percebemos uma precarização do contrato”, diz.
Para ele, é importante que entidades independentes como o Idec existam para enfrentar e pontuar os problemas que existem no mercado, tanto para defender como para avançar no alcance de novos direitos ao consumidor, mas que também é fundamental o trabalho de fiscalização realizado pelos Procons.
No Brasil, existem cerca de 900 Procons e existem tanto os estaduais quantos os municipais. Em Belo Horizonte, Glauber Tatagiba, promotor de Justiça e coordenador do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-MG), órgão do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), esclarece que a entidade faz o monitoramento do mercado nas plataformas informatizadas existentes hoje, como o consumidor.gov, o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) e o próprio Reclame Aqui. “O Procon estadual atua em demanda coletiva, quando aquela conduta abusiva atinge um grande número de pessoas, como, por exemplo, venda casada, discriminação do consumidor… Também verificamos o nível de informação que está sendo passado a ele”, explica.
O promotor lembra que, nos sistemas nacionais, as instituições financeiras e os serviços de telefonia estão entre os setores com maior número de reclamações entre os consumidores, especialmente em virtude do número de clientes.
Em 2023, o Tatagiba diz que o Procon-MG teve uma atuação importante em relação ao banco Bradescard, empresa do grupo Bradesco, que lesou milhares de consumidores em relação ao seguro no cartão de crédito, que havia sido contratado sem manifestação da vontade do cliente. Ação semelhante também corre na Justiça contra o Itaucard.
O Procon Assembleia, que tem atuação municipal, divulgou nessa quarta (13/2) seu relatório anual. Foram mais de 15 mil atendimentos e 1.745 reclamações formalizadas, num total de 63,38% de resolutividade dos casos. Em primeiro lugar entre os segmentos campeões de queixas estão os empréstimos consignados, seguido pelo cartão de crédito e então as agências de turismo.
O aumento no volume de golpes financeiros e a explosão do problema da 123Milhas em Belo Horizonte no ano passado, que lesou milhares de clientes ao cancelar passagens promocionais, garantiram o topo do ranking. O relatório completo está disponível no link almg.gov.br/acervo.
Glauber Tatagiba, do Procon-MG, lembra que é importante que os consumidores façam suas reclamações nos órgãos oficiais. “O que acontece hoje é que eles reclamam com vizinho, com parentes próximos, mas essa conduta abusiva fica sem o registro oficial e, assim, o Procon não pode agir”, lembra.
Nesta semana, o Procon-MG está realizando uma série de ações educativas para os consumidores.
Procon-MG fez uma série de ações educativas nesta Semana do Consumidor. Foto: Procon-MG/Divulgação
Dicas para um consumo consciente
Shoppings de Belo Horizonte, o comércio de rua e o e-commerce estão oferecendo descontos e promoções especiais neste Dia Mundial do Consumidor. Mas quem quiser aproveitar as ofertas na internet, precisa ficar atento para não cair no golpe da “metade pelo dobro do preço” e outras armadilhas de criminosos. Veja algumas dicas para uma compra segura:
- Desconfie sempre de preços extremamente baixos
- Evite clicar em links de ofertas enviadas por aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, que podem acabar capturando seus dados. Fique atento, especialmente, àqueles encurtados, em que não é possível verificar o endereço de direcionamento
- Procure por lojas online confiáveis e sites seguros. Confira comentários e taxa de queixas em plataformas como o consumidor.gov.br e Reclame Aqui
- Observe se, na transação online de uma página para a outra, o nome da empresa se manteve
- Ao comprar por Pix ou boleto, verifique com atenção os dados da conta de pagamento
- Em compras em redes sociais, certifique-se que a loja é real e vai entregar o seu produto. Selo de verificação, número de seguidores e comentários de outros clientes podem ajudar
- Guarde sempre sua nota fiscal