Em conversa com o SuperFC, o ex-volante da Raposa entre 2008 a 2011 relembra momentos marcantes no clube e fala sobre a atual situação estrelada
Tornou-se redundante reiterar a insatisfação da torcida do Cruzeiro em relação a tudo que vem ocorrendo no clube desde o segundo semestre de 2019. A China Azul está revoltada, apreensiva, amargurada. No Rio de Janeiro, curtindo a aposentadoria na calmaria do lar e ao lado da família, um torcedor da Raposa compartilha do mesmo sentimento.
“Tenho acompanhado e estou triste, chateado igual a todos os cruzeirenses. Torcendo para esse pesadelo acabar logo. Eu acho que dá, está nas mãos de todo mundo. É preciso trabalhar e se unir para sair dessa. Sei das dificuldades, dos problemas de salário, mas dá para superar”, acredita Fabrício de Souza.
O cruzeirense em questão carrega consigo não somente a identificação com as cores azul e branco, mas o orgulho de quem entrou em campo 154 vezes para defender a Raposa e, como faz questão de ressaltar, para “deixar tudo em campo”. Foi assim que, de 2008 a 2011, o ex-volante Fabrício conquistou a admiração e o respeito da torcida. Por isso, uma década depois ainda recebe mensagens de consideração, seguidas por pedidos para retornar à Toca, calçar chuteiras e ajudar o time a se recuperar.
“Amo o cruzeirense, amo o Cruzeiro. E acho eles têm esse carinho por mim porque aqui nunca teve ‘miséria’, não. Sempre deixei tudo dentro de campo. Inclusive, até hoje tenho um problema no Tendão de Aquiles porque, em 2011, o time estava brigando para não cair e mesmo lesionado, precisando parar para me recuperar, optei por jogar. Mas, mesmo assim, faria tudo de novo porque precisava ajudar o Cruzeiro”, orgulha-se.
Fora dos gramados desde o fim de 2015, quando defendeu o Joinville, Fabrício se desligou do futebol. Morou dois anos com a esposa Bruna e os filhos Benício e Lorenzo em Cascais, Portugal, e retornou ao Brasil neste ano. Fixou residência na Cidade Maravilhosa por causa do mar. “Gosto muito de praia, fui criado em praia e o Rio me chamou a atenção”. Contudo, mantém ligação afetiva com Belo Horizonte. “Se não fosse a praia, iria morar em Belo Horizonte. Adoro a cidade, a comida, tenho muitos amigos. Meus filhos são mineiros”, conta.
Fabrício fez aniversário na última segunda-feira (5/7) e tem aproveitado o tempo livre para curtir. Recentemente, aderiu às redes sociais. “Andei uns seis anos meio afastado de tudo. Quando ia fazer 39 anos, meus filhos falaram para entrar no Instagram. Estou gostando, tem sido muito legal e vi o tempo que perdi. Voltei a me socializar e encontrei um monte de gente, amigos que não via há tempos. Estou gostando muito de interagir”, revela o ex-volante.
Confira outros trechos do bate-papo com Fabrício
A vida após pendurar as chuteiras
“Em 2015, joguei pouco tempo no Joinville e parei. Em 2018, decidi me mudar para Portugal. Todo mundo falava de lá e fui conhecer. Fiquei dois anos em Cascais, mas a família não se adaptou e voltamos. Estou morando no Rio. Eu gosto muito de praia, fui criado em praia (nasceu em Imbituba, litoral de Santa Catarina) e o Rio me chamou a atenção por isso. Desde que parei de jogar, não trabalhei em outra área. Também sentia falta de ficar com a família porque ficava duas, três vezes só por semana em casa, por causa dos jogos, viagens. Agora que os filhos estão crescendo, encaminhados (Benício tem 12 e Lorenzo, 10), se pintar alguma coisa no futebol posso pensar. Alguns amigos têm ido para a área de comentarista, mas tudo que for entrar, tenho de me preparar. Igual fazia dentro de campo. Desde os 10 anos de idade sempre me dediquei muito para desempenhar da melhor maneira a profissão. Por isso, qualquer coisa que eu vá fazer, vou me preparar antes.”
A relação com o Cruzeiro e Belo Horizonte
“Amo o cruzeirense, amo o Cruzeiro. E acho que eles têm esse carinho por mim porque ‘aqui nunca teve miséria’, não. Sempre deixei tudo dentro de campo. Inclusive, até hoje tenho um problema no Tendão de Aquiles porque, em 2011, o certo seria eu parar e tratar, fazer a coisa certa. Mas optei por jogar porque tinha consciência de que precisaria ajudar dentro de campo. Corria o risco de a tendinite se tornar crônica, mas fui jogar. Tanto que agravou e o influenciou meu desempenho até o fim da carreira. Até hoje sinto dor. Depois de andar, correr foi a segunda coisa que mais fiz na vida. Faço jiu jitsu, gosto de surfar, pedalar, mas sinto falta de correr e não consigo. Mas, mesmo assim, faria tudo de novo para ajudar o Cruzeiro. Além disso, adoro Belo Horizonte, a comida, as pessoas e tenho muitos amigos aí. Meus filhos são mineiros, nasceram em Nova Lima (região metropolitana de BH), mas eu morava na Savassi. Meus filhos eram muito pequenos quando eu estava no Cruzeiro, mas sempre me pedem para mostrar vídeos da época e dizem que tenho de levá-los para entrar em campo com o time, porque não se lembram de quando entravam comigo.”
O momento estrelado
“Tenho acompanhado e estou triste, chateado igual a todos os cruzeirenses. Torcendo para esse pesadelo acabar logo. Eu acho que dá para subir, está na mão de todo mundo. É preciso trabalhar e se unir para sair dessa. Sei das dificuldades, dos problemas de salário, mas dá para superar. O time precisa fazer isso e não desanimar. Dá para recuperar esses pontos com trabalho. Pensar que treino é jogo e jogo é final de Copa do Mundo.”
A Raposa na Série B do Brasileiro
“A Série B deste ano é uma das mais difíceis dos últimos tempos, não está mole. Joguei uma Série B pelo Vasco e é difícil para caramba. Quando as outras equipes vêm jogar contra time grande, não querem jogar de igual para igual. Geralmente, vão brigar por uma bola e isso tudo dificulta. Tecnicamente, é difícil falar, mas acredito que o treinador precisa colocar a intensidade como os times que estão jogando na Europa. O português (Jorge Jesus) fez isso no Flamengo. Colocou intensidade e fez toda a diferença. Não só para marcar, mas para jogar, se movimentar, não ficar parado. Porque o jogador corre muito mais quando está com a bola do que o contrário. É preciso trabalho, unir-se e esquecer a pressão que vem de fora porque ela sempre vai existir. Se perder, não desanime e, se ganhar, não se empolgue. Afinal, o jogador está lá para viver isso.”
A falta da torcida no Mineirão
“O Cruzeiro é gigante e, talvez, o pessoal que está lá atualmente não tenha a noção porque a torcida não está indo para o estádio por causa da pandemia. Mas é preciso conhecer a história do clube, respeitar essa camisa. Quando liberar público em estádio, nosso time vai reagir, vai voltar a ser aquele Cruzeiro, jogar com energia positiva para que retorne à Série A. Estou junto, na mesma situação, ao lado de torcedor. Não vejo a hora de liberar a torcida e vou fazer parte disso.”
Amigos da época de Toca II
“Do meu tempo tem o Fábio, o Rômulo e o Rafael (ao ser alertado que o goleiro está no Atlético, recebe a notícia com incredulidade). O quê? O Rafael foi para o Atlético? Não acredito, ele não fez isso (duvida, com bom-humor). Mas, cada uma sabe o que é melhor para a carreira. Faz muito tempo que falei com o Fábio, mas é um cara que não deixa a peteca cair. Está sempre motivado e ajudando muito todo o grupo, dentro de campo e no vestiário.”
O histórico 6 a 1 sobre o Atlético em 2011
“A gente não esperava ter chegado naquela situação. Vínhamos de quatro anos brigando por Brasileiro, Libertadores, sempre ali, conquistando título. E o time nem tinha mudado tanto assim. O treinador era o Cuca (pediu demissão após o empate com o América em 1 a 1), bom para caramba, tinha o Montillo. Não sabemos o porquê, mas o time desandou. Naquele ano, chegamos à última rodada do Brasileiro com uma pressão absurda porque corríamos o risco de cair justamente diante do nosso maior rival. Foi uma semana dura para caramba, dormindo mal. Um cobrando o outro no dia a dia, sem zoar. Às vezes, fazíamos uma brincadeira e logo alertávamos. Oh, domingo, temos de ganhar. Na véspera do jogo, dormi poucas horas. Quando chegou a reunião, o Mancini (Vagner, treinador) perguntou se alguém gostaria de falar algo. Disse: ‘a gente sempre ganha deles e a gente vai ganhar agora’. Logo no início do jogo, dei um carrinho forte no Richarlyson e roubei a bola. Sobrou outra e dei outro carrinho firme. O recado estava dado. Pensei, vocês (jogadores do Atlético) não têm nada com isso, mas o bicho vai pegar. Só temos uma coisa a fazer: ganhar. Foi o grande momento, porque sabia que tínhamos de fazer alguma coisa para a torcida vir para o nosso lado. Isso ajudou a demonstrar que iríamos nos impor. Porque o futebol nada mais é do que se impor em cima do adversário. Todo mundo correu, foi intenso, foi marcante. Deu certo pelo nosso empenho.”
Time do coração
“Todos os clubes por onde passei fazem parte da minha vida. União São João, Corinthians, São Paulo, todos me ajudaram a crescer. Contudo, não há como disputar espaço no coração com o Cruzeiro. Ainda mais agora, vivendo esse lado de torcedor. Não há como. É muita história.”
Ficha técnica
Fabrício de Souza
Data de nascimento: 5 de julho de 1982
Local: Imbituba, Santa Catarina
Clubes: União São João, Corinthians, Jubilo Iwata-JAP, Cruzeiro, São Paulo, Vasco e Joinville
Títulos: Copa do Brasil (2002), Torneio Rio-São Paulo (2002), Campeonato Paulista (2003), Campeonato Brasileiro (2005), pelo Corinthians; Campeonato Mineiro (2008, 2009 e 2011), pelo Cruzeiro
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