A presença de Suzane na família Olberg, em Angatuba, não é uma unanimidade Foto: Reprodução
Quando Suzane von Richthofen sentou no banco dos réus, em 2006, ela disse que matou os pais porque foi manipulada por Daniel Cravinhos, seu ex-namorado. “A família Cravinhos achava que eu era uma galinha dos ovos de ouro. (…) Eles queriam ficar com todo o meu dinheiro. (…) O Daniel me obrigou a fazer tudo o que eu fiz”, disse ela em depoimento no Tribunal do Júri. Acabou condenada a quase 40 anos de prisão. Hoje, 18 anos após o assassinato de Manfred e Marísia von Richthofen, Suzane se aproximou de outra família, os Olberg. Trata-se do clã de seu ex-noivo, o serralheiro Rogério Olberg, de 41 anos. Os Olberg fazem reuniões periódicas para debater como a presença de Suzane na cidade em que vivem, Angatuba, pode ser proveitosa. No último encontro, ficou decidido que será lançada uma biografia autorizada de Suzane e todos os lucros com a obra serão repartidos entre a presa famosa e a família Olberg.
A decisão pela publicação do livro, que foi escrito por um jornalista e revisado pela família Olberg, já causou um conflito. O defensor público Saulo Dutra de Oliveira foi o primeiro a se opor. O advogado acompanha a execução penal de Suzane desde 2014 e disse à família Olberg que uma autobiografia poderia comprometer a progressão de pena da sentenciada. A família não concordou e Suzane destituiu Saulo. Em seu lugar, recrutou em maio a advogada Adriane de Melo Nunes Martorelli. Adriana já foi assessora parlamentar, é pós-graduada em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo e também já atuou na Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, onde conheceu a sua mais nova cliente. A primeira providência da nova defensora foi fazer um novo pedido de progressão da pena, protocolado no dia 28 de maio. É a sexta vez que Suzane tenta ganhar a rua de forma definitiva. O Ministério Público já deu parecer desfavorável à saída. Para o promotor que acompanha a execução da pena de Suzane, Paulo de Palma, ela ainda não está pronta para se reintegrar à liberdade e ainda representa risco para a sociedade em razão da brutalidade do crime cometido. “Suzane praticou delitos graves e não comprovou, como lhe competia, a necessária melhora íntima”, escreveu De Palma em seu parecer.
Pelo novo pedido, apesar de pena de Suzane vencer só em 2038, ela alega já ter cumprido mais que o exigido para progredir de regime. Um dos argumentos da defesa é o de que os irmãos Cravinhos, beneficiados pela progressão de pena, estão soltos. A defensora pede ainda que, caso a Justiça não acate o pedido de saída, que a deixe ficar fora da prisão pelo menos durante a quarentena imposta pela pandemia. Essa quarentena seria cumprida junto aos Olberg. Diz a defensora: “a Suzane vai trabalhar com corte e costura juntamente com a cunhada, Josiely Olberg Lopes. Esse apoio e acolhimento servirá de amparo à sua reinserção social em meio aberto, após 18 anos de cumprimento de pena por crime do qual se arrepende e cujas consequências são imensuráveis em todos os aspectos de sua existência”.
Mas provar o arrependimento da moça tem sido um desafio para os técnicos. Há laudos feitos com base em entrevistas conduzidas por assistentes sociais, psicólogos e funcionários de Tremembé, que apontam sinais de que Suzane lamenta o que fez. E há o teste de Rorschach, feitos por psicólogos de fora do sistema carcerário, que mostram o oposto. Nos três testes de Rorschach aplicados, os laudos atestam que não houve arrependimento. No último exame, feito em 2018, a pedido da juíza da execução penal, Wania Regina, a psicóloga Maria Cecília de Vilhena Moraes escreveu sobre Suzane o seguinte: “Egocêntrica e narcisista, ela entende que suas necessidades sejam centrais e se preocupa basicamente com ela, com pouca atenção às necessidades dos outros”. Em outro trecho, a especialista diz: “Vazia e impessoal, Suzane depende fundamentalmente do ambiente externo para se orientar na vida”.
A presença de Suzane na família Olberg, em Angatuba, não é uma unanimidade. Rogério, seu ex-noivo, não quer mais a presença da moça em sua casa, segundo relatam parentes dele. Desde outubro do ano passado ele não visita Suzane na cadeia e quem a acolhe em casa é Josiely, irmã de Rogério. Foi dela, por exemplo, a ideia de Suzane autorizar o livro contando sua história. Nos planos da família estariam também montar um negócio com o dinheiro de uma herança que Suzane tem para receber da avó. Nos mesmos exames criminológicos anexados ao seu mais novo pedido de liberdade, ela fala desse projeto. “Diante do contexto financeiro, Suzane registra que possui apartamento de herança da avó e recursos expressivos em conta poupança, garantindo meios de sobrevivência em sociedade”, descreve o relatório de acompanhamento assinado pelo assistente social, Maurício Fernandes Faria.
Enquanto Suzane está presa, Josiely conseguiu na Justiça 20 mil reais a título de dano moral ao processar uma emissora de televisão que veiculou imagens indevidas do sítio em Angatuba na tentativa de filmar Suzane. Ela tentou outras indenizações semelhantes, mas perdeu. A família também contratou advogados para tentar passar o apartamento que Suzane herdou da avó paterna, Margot Gude Hahmann, avaliado em 1 milhão de reais, para o nome da presidiária. No entanto, no meio do processo burocrático, a família Olberg descobriu que Suzane tem uma dívida junto ao INSS de quase 70 mil reais e que o processo de transferência do apartamento só seria possível se concretizar após o pagamento desse débito.
A origem da dívida se deve ao fato de Suzane ter conseguido receber entre 2002 e 2004, uma pensão pela morte dos pais que ela mesma matou. O Ministério Público descobriu e acionou a Justiça. Em 2013, uma decisão do STF obrigou que o recurso fosse devolvido com juros e correções, mas Suzane já havia gastado todo o dinheiro.
Apesar do rompimento com Rogério, sua irmã Josiely escreveu de próprio punho uma carta afirmando à Justiça que acolheria a ex-cunhada. “Eu, Josiely Olberg Lopes, residente no sítio Santa Cruz, em Angatuba, falo em nome da minha família, Olberg Lopes, que Suzane tem aqui uma casa, onde receberá todo apoio e afeto familiar que necessita para se reintegrar socialmente quando estiver em prisão domiciliar”. Membros da família afirmaram à reportagem que o convite não é unânime e que alguns acham que a presa deve seguir sua vida em outro lugar. Há ainda o fato de, quando em Angatuba, Suzane conviver com outra condenada por crime atroz. A irmã de Rogério e Josiely, Luciana, foi presa por ter participado, juntamente com o marido, do estupro de duas crianças que são filhas de seu pai com outra mulher. Condenada a 29 anos, Luciana cumpriu pena em Tremembé e por meio dela Rogério conheceu Suzane.
Fontes a quem Suzane se confidenciou afirmaram que integrar a família Olberg está longe de ser sua maior vontade. Mas que, diante da falta de familiares dispostos a dar-lhe abrigo, ter um lugar fixo para onde voltar é sua única chance de conseguir a liberdade.