Há mais de 50 anos, empresas se definem como feministas, buscando formas de serem sustentáveis e, ao mesmo tempo, promoverem os ideais de uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres. Apesar do esforço, até os dias de hoje, mulheres permanecem buscando a fórmula que garanta conciliar suas metas enquanto empresárias e o desempenho dos papéis sociais como mães, esposas e indivíduos.
Conversamos com quatro empresárias, mães e feministas que falaram sobre suas histórias, seus negócios e como a causa faz a diferença na hora de comercializar produtos e serviços.
Há sete anos, Luana Lidio foi mãe e há 3 anos e seis meses uniu o desejo de criar a Escola de Empreendedorismo Digital para Mães junto com o filho. “Foi a escolha mais certa que eu fiz, pois consegui ter o prazer de ver o meu negócio crescendo junto com o meu filho…É um processo recompensador e transformador”, afirma, lembrando que 75% das mulheres que empreendem fazem após a maternidade e esse movimento traz benefícios.
A experiência na Escola mostrou que, após a maternidade, muitas mulheres repensam a vida profissional pelo desejo de ser mais presente na vida dos filhos. “Elas começam a não ver mais sentido no trabalho tradicional (CLT), principalmente porque sabem que enfrentarão problemas todas as vezes que precisar se ausentar do trabalho para dar assistência ao filho, por questões de saúde ou por querer acompanhar os eventos importantes da escolinha, onde a presença das mães se faz importante”, conta.
Luana montou uma escola de empreendedorismo para que outras mulheres também pudessem empreender numa perspectiva mais igualitária (Foto: Divulgação) |
Outro aspecto ressaltado por Luana diz respeito ao desemprego e a falta de oportunidade que a maternidade impõe. “As empresas preferem mulheres sem filhos, por julgarem que as mulheres com filhos não são produtivas, vão gerar mais gastos com benefícios, e não são capazes de ocupar os cargos sendo dispensadas”, pontua.
Em 2018, Luana se viu na situação de não ver mais sentido em passar o dia todo fora de casa e não ter o prazer de aproveitar cada momento do desenvolvimento do meu filho. “Resolvi me reencontrar profissionalmente, através do empreendedorismo digital, aproveitando minha bagagem profissional como psicóloga organizacional e do trabalho”, diz. Ao ensinar as mães a fazerem a transição de carreira para o empreendedorismo, ela viu a escola nascer.
“Meu objetivo é poder contribuir para o aumento das mulheres mães movimentando a economia e sendo fontes de renda para sua família. Quanto mais autonomia financeira uma mãe tem, mais livre ela é!”, reforça Luana.
Defesa das crias
Mãe de dois meninos: Zec (5 anos e 11 meses) e Oto (2 anos e 11 meses), Laila Bouças atua há 5 anos como empreendedora com o Uapé Autocuidado(@__uape__), que mantém com o companheiro e sócio. “Eu, por exemplo, trabalhava como professora e fiquei desempregada pouco tempos do meu filho mais novo completar dois anos, ainda em pandemia, situação parecida com a de parte significativa das mulheres brasileiras”, conta.
Laila e Caio Rubens são companheiros e sócios na Uapé, que atua com uma proposta de cosmética natural mais sustentável (Foto:Arquivo pessoal) |
Ela lembra que o interesse pela cosmética natural nasceu quando o filho mais velho teve uma reação alérgica a um produto para bebê. “Ele apresentou um quadro de dermatite atópica muito forte e isso fez com que minha atenção se voltasse para entender o que poderia ser a causa”. Na oportunidade, ela lembrou de uma leitura que abordava os óleos e manteigas vegetais.
“Segui essa pista e descobri que a causa da alergia foi o óleo mineral, um derivado de petróleo, e que os óleos vegetais, extraídos à frio ou extra virgem, possuíam inúmeros benefícios para nossa pele e cabelos”, rememora, afirmando que, à partir desse fato, começou a estudar a cosmética natural e a buscar cursos mais específicos. “Comecei fazendo produtos para nosso consumo pessoal, mas logo os amigos e pessoas mais próximas começaram a querer comprar e daí sigo até hoje”, narra Laila.
O empreendedorismo foi a maneira que ela encontrou de se manter ativa profissionalmente e reforça que empreender não é fácil, que requer a habilidade de desenvolver as várias etapas do processo de produção, do contato com o fornecedor até a venda dos produtos. “São muitos momentos difíceis, já que nem sempre o retorno financeiro é certo e lidar com essa instabilidade é um grande desafio, sobretudo para quem tem mais bocas para alimentar. A contrapartida é poder conciliar as coisas com um pouco mais de liberdade sobre o tempo, de estar presente no cotidiano miudinho acompanhando o desenvolvimento das crias”, complementa.
Para Laila, ter a possibilidade de realizar um trabalho remunerado pautado nessa compreensão, com uma divisão justa de tarefas, é um ponto muito importante para a manutenção do nosso negócio. “Muitas pessoas estão buscando conhecer mais sobre os princípios de quem faz aquilo que ela vai consumir, então acredito que a vantagem de um negócio pautado nas lutas coletivas é estar naturalmente conectado com essa forma de consumir mais consciente”, defende, destacando que a matéria prima usada nos produtos é 100% vegetal e é, majoritariamente, adquirida com cooperativas de pequenos produtores locais. “Assim somos fortalecidos e fortalecemos toda uma cadeia produtiva”, completa.
Autocuidados
Mãe há 14 anos, Rita Wulf empreende com a Loba Doce (@loba_doce), desde 2017. Apesar do espírito criativo ser uma das características pessoais, o negócio tomou corpo quando os filhotes começaram a apresentar as intolerâncias alimentares. Na época, atuava como designer de produtos e processos para o Sebrae/BA e os filhos terminavam ficando muito desassistidos em virtude das viagens que ela fazia para atender às comunidades no interior. “A forma deles chamarem a minha atenção foi através das questões relacionadas à nutrição alimentar. Acredito que a capacidade feminina de nutrir se estende para muito além da amamentação e dos cuidados com a alimentação dos filhos. Sem perceber, fui cozinhando e me aprimorando nessa arte cotidiana, ao mesmo tempo, ‘obrigatória’ e prazerosa”, conta.
Rita Wulf encontrou na cozinha a possibilidade de estar mais perto dos filhos e dar um novo rumo para as aspirações profissionais (Foto: Arquivo pessoal) |
Rita recorda que era a forma encontrada para estar, brincar e se divertir com os meninos. “Combinávamos receitas novas para o final de semana e datas especiais e assim fomos experimentando esse universo alquímico que é a cozinha”, diz. Ela conta ainda que o ato de cozinhar se tornou o ‘trabalho da mamãe’ também passou a ter outra conotação e, muitas vezes, precisou tirá-los da cozinha justamente por atrapalharem.
“Se eu disser que é tudo lindo, mágico e fantasioso, é mentira. Quando veio a pandemia, precisei entrar em contato com a solidão desse lugar feminino: eu fazia a maior parte do serviço doméstico e ainda tinha que cozinhar para fora sozinha”, revela. Rita diz que pensou em desistir dezenas de vezes, especialmente nos dias que passava mais de 12 horas na cozinha. “Com a chegada das vacinas e a reabertura, fui, aos pouquinhos, percebendo que aquelas fissuras provocadas pela tristeza prolongada também era por onde a luz entrava. Cá estamos, renovadas para fazer mais do mesmo todo dia de outro jeito. Esse é o princípio do feminino: subversivo. Subvertendo a própria natureza a gente se regenera e reinventa”, completa.
Rita vai além e afirma que compreendeu que a cozinha era o laboratório, oratório e consultório. “Descobri que a nossa criatividade deve estar, em primeiro lugar, ao nosso serviço. Que não adiantava eu chorar, reclamar, espernear na esperança de ser compreendida e protegida por um outro fora, porque eu tinha que entender primeiro o que estava me oprimindo dentro”. Para ele, foi fundamental o entendimento que quando se define os próprios limites, pode-se efetivamente dedicar, educar quem está perto para também se respeitar, amar e preservar.
“Antes de me doar verdadeiramente, fosse para os filhos ou para o negócio, eu precisava aprender a transmutar as minhas próprias dores e terrores, precisava olhar para o fato de estar em casa não somente como uma obrigação, como uma imposição do sistema, mas como uma escolha e uma oportunidade, como devoção”, reflete, reforçando que aprendeu a gostar de servir e agradar.
Cores coletivas
Camila Alemany é ilustradora, mãe e empreende desde 2011. Com a pandemia, precisou fechar a loja física e decidiu mudar de ramo. Desde então, atua como ilustradora independente. “No período mais crítico da pandemia, a arte foi a conexão comigo mesma e com minhas crianças. Foi o respiro cotidiano. Neste momento, percebi a fragilidade e fugacidade da vida e decidi seguir meu instinto e trabalhar com o que realmente me apaixona: a ilustração”, lembra.
Para as ilustrações, Camila queria trabalhar com a figura da mulher, fosse ela cis ou trans. “A partir daí surgiu minha narrativa visual feminista, que dialoga com outras mulheres e questiona o modelo patriarcal, desde uma perspectiva poética, propondo percepções críticas sobre comportamentos vigentes, padrões estéticos, relação com a natureza”, diz.
Camila Alemany ressalta a importância dos negócios feministas para fortalecer as empreendedoras, apoiando com questões práticas e as emocionais (Foto: Arquivo pessoal) |
Para Camila, a proposta do empreendimento permite que ela faça parte de instâncias coletivas feministas, como o Bazá Rozé, feira artístico cultural composta majoritariamente por mulheres. “Esse tipo de espaço, onde mulheres trabalham juntas, é fundamental para fortalecer os empreendimentos. A sororidade que existe dentro do coletivo Bazá Rozé, por exemplo, é fundamental para nós, mulheres empreendedoras, por serem espaços de acolhida, respeito e afeto onde comercializamos nossos produtos”, finaliza.
Características de um Negócio Feminista:
Líderes e membros: Em todas as funções da empresa, os integrantes praticam feminismo e aprendem ativamente sobre feminismo.
Organização: Estrutura, processos e cultura refletem valores feministas e apoiam práticas feministas (a exemplo da tomada de decisão democrática colaborativa, autoridade mais plana e distribuída, bem-estar e sustentabilidade.)
Intenção: Cultura feminista definida, compartilhada e explícita coletivamente sobre como a organização está fazendo a diferença no mundo.
Governança: A propriedade, administração e a direção são compartilhadas de acordo com os princípios feministas.
Produto ou serviço : Criados e oferecidos pela empresa que ajudam a melhorar a situação de mulheres, meninas e pessoas de uma maneira feminista; que desafia a dinâmica da opressão, que oferece alternativas não exploradoras.
Modelo: Plano líquido positivo, não extrativo, para aumentar, implantar, gerar e distribuir valor e impacto financeiro e não financeiro (todos os recursos da empresa).
Conexão: Interação aberta com outros grupos e indivíduos feministas, buscando incentivo e apoio, contribuindo sempre que possível.