Assim falou o escritor mineiro Eduardo Frieiro (1889-1982): “Não se discute. Em Londres, Paris, Hamburgo, Nova York ou Tóquio, um brasileiro sentirá saudades dos petiscos de sua terra: camarões à baiana, peixe à brasileira, feijoada completa, vatapá, moqueca de camarão, picadinho com arroz, galinha com angu e quiabo, goiabada com queijo de Minas”. Há dias fora do Brasil, por conta de compromissos nos EUA e da turnê Euro Summer 2022, Anitta, 29 anos, sentiu saudades da terrinha.
De passagem por Paris, na França, país referência em cozinha requintada e que influenciou a gastronomia do mundo todo, a cada vez mais internacional diva da música pop não quis saber de chiqueza. Em suas redes sociais, pediu indicação de restaurantes que pudessem lhe oferecer uma comidinha caseira. Porque comida não é apenas para nutrir; ela pode ser muitas coisas, inclusive, o reencontro com nossas origens. E, como tudo o que a girl from Rio faz ou fala vira um acontecimento, seus seguidores passaram a sugerir alguns locais.
Atentos estavam também os amigos de Mariele Góes, dona do La Bahianaise. Eles se envolveram no combathcy e realizaram uma campanha para que Anitta notasse o restaurante comandado pela chef baiana de 34 anos. Não é que deu certo? Foram tantas marcações em sua página, que a cantora brasileira resolveu entrar em contato. O pedido: feijão ou feijoada, arroz e farofa pura (nada de bacon, nem banana, nem ovo, nem nada).
Era domingo, um daqueles dias de corre intenso no restaurante localizado no Mercado Municipal de Saint Quentin, Centro de Paris. O espaço de apenas 18 lugares estava cheio, muitos pedidos para serem atendidos. O detalhe é que eles não trabalham com entrega. “Fiz, excepcionalmente, pra Anitta. Quem não faria?”, brinca Mariele. Modo turbo ativar.
A campanha começou lá pelo meio-dia, a artista realizou o pedido por volta das 14h30 e, antes das 16h, ela já tinha as iguarias em mãos. A própria chef fez questão de entregar, junto com os ajudantes e amigos Alexandre e Vitor Hugo. Antes, porém, momentos dramáticos: “Anitta estava em uma troca de roupa e fomos até o local. A equipe nos encontrou e disse que, infelizmente, não ia dar pra ela nos receber. Embora um pouco frustrados, ficamos felizes só por ela comer nossa comida”, conta Mariele.
“Já saindo, mandei um áudio pra dizer que tava entregue, que era uma pena que não íamos nos conhecer, no que ela prontamente respondeu: ‘Nããããão, vem aqui no meu quarto, que eu acabei a troca de roupa agora e eu vou receber vocês’. O timing foi perfeito. Ela nos recebeu, fizemos foto, batemos papo, foi super simpática, receptiva, perguntou como era viver e trabalhar fora, muito sorridente, humilde e engraçada”.
Para proporcionar uma experiência brasileira completa, além da feijoada, arroz e farofa solicitados pela cantora, Mariele levou guaraná, mousse de maracujá, pudim e coxinha. “Anitta não pediu, mas a gente achou que ela e a equipe iam gostar”. O retorno da artista foi no próprio post do restaurante: “Delíciaaaa”, escreveu, com a empolgação que lhe é característica. “A gente espera que ela tenha gostado a ponto de pedir de novo. Se não pedir, tudo bem também, porque foi uma experiência muito boa”, ressalta a chef baiana, comemorando a repercussão: “Ganhamos uns cinco mil seguidores a mais na página do restaurante e pessoas vieram aqui dizendo que foi por causa da Anitta. Foi muito bom”.
Mariele Góes, 34 anos, começou seu próprio negócio de gastronomia vendendo acarajé em Paris (Foto: Divulgação) |
“VÁ FAZER GASTRONOMIA!”
Além de chef, Mariele Góes também é jornalista, formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Por isso, ela sabe a importância de aproveitar esse momento com a Rainha do Pop brasileiro para dar visibilidade ao seu negócio. “Anitta representa muito bem o que é essa força da mulher brasileira de empreender, de se reinventar. Acho essa parte da carreira dela muito legal; como soube sair do Brasil, fazer uma carreira internacional e se tornar uma diva da música. Sou uma grande admiradora”, entrega.
Nascida em Salvador, Mariele tem lá sua semelhança com a cantora carioca: ambas resolveram enfrentar a vida em outro país. Antes, porém, morou um tempo na cidade de São Paulo, onde trabalhou em veículos de comunicação. Nesse período, pegou gosto pelo jornalismo gastronômico, até que um amigo, conceituado profissional da área, sugeriu: “Vá fazer gastronomia”.
Vinda de uma família de mulheres que cozinhavam salgados e bolos decorados para complementar a renda, aquilo fez muito sentido pra ela: “Quando coloquei a dólmã (jaqueta utilizada pelos chefs de cozinha, geralmente, brancas) e comecei a aprender a cozinhar profissionalmente, entendi que era o que eu queria de verdade”. Formou-se, então, em gastronomia, e após ter passado por restaurantes badalados como o D.O.M., de Alex Atala, em 2016 decidiu ir pra França, onde já havia feito intercâmbio na época da faculdade de jornalismo. Pegou a gata Brigitte e #partiuEuropa.
A princípio, a ideia era se especializar na Colli Ferrandi, a escola de gastronomia mais prestigiada da França (“Até mais que a Le Cordon Bleu”, me diz, enfática) para, posteriormente, voltar ao Brasil e abrir um restaurante. Como a vida tem enredos surpreendentes como um filme, acabou ficando por lá. Quando se viu trabalhando para um chef estrelado, porém, abusivo – que a agredia verbalmente e quase chegou às vias de fato -, teve que ressignificar tudo.
Assim como a personagem do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Mariele encontrou uma caixinha que mudaria a sua vida. Metaforicamente, claro. A caixinha, no caso de Mariele, era o acarajé. Ela pediu demissão, olhou a fundo para suas raízes e encontrou no bolinho um novo sentido. Passou a fazer e vender a nossa mais emblemática iguaria. “Um grupo marcava pelo Facebook, ia até o local, eu fritava o acarajé, falava sobre sua história, eles degustavam e iam embora. Foi um sucesso imediato. Percebi que não tinha ninguém fazendo acarajé em Paris. Acho que nem mesmo na França”, relembra.
Um ano depois, em 2018, a chef abriu o La Bahianaise, que em francês significa A Baiana, nome que talvez seja uma forma de se afirmar no mundo, em um país tão diferente do seu. Enquanto ela responde às minhas perguntas pelo Whatsapp, é possível ouvir Gilberto Gil no som do restaurante, num dos hinos da nossa baianidade: ‘Toda menina baiana tem um santo que Deus dá…’
Além da feijoada (no cardápio, virou ‘Feijoada da Anitta’) e do acarajé, clientes brasileiros e europeus encontram também picadinho, pastel de feira, pão de queijo, rabada, bobó de camarão, feijão tropeiro, entre outros, com preços que variam de 6 a 22 euros – algo em torno de 32 a 120 reais. Os produtos são adquiridos em mercados como os asiáticos e africanos, que possuem ingredientes que mais se aproximam dos nossos. Alguns, no entanto, precisam ser adaptados à realidade local, como o pão de queijo mineiro, que é feito com queijos franceses.
SELEÇÃO FEMININA
Digital influencer brasileiro radicado em Paris há mais de sete anos, o cearense Max Petterson, 28, é um dos clientes badalados do La Bahianaise. Ele acompanha desde o comecinho o trabalho de Mariele no restaurante: “Mariele bota na comida o amor que tem pela cozinha e o carinho de cozinhar para os outros, que é algo que está além da coisa comercial. Nessa energia, nessa atmosfera, você já fica preso à comida dela e quer voltar mais vezes. Meu prato preferido é a feijoada, que esquenta a gente quando tá fora do Brasil”.
Quando estão fora de casa, as meninas da Seleção Brasileira de Futebol Feminina também se valem do alento gastronômico da baiana. Mariele é chef das jogadoras na Europa. “Uma coisa que acontece no meu cotidiano é isso de levar comida afetiva pra quem está tanto numa situação de estresse de uma competição esportiva, quanto na rotina de um artista, como no cotidiano mesmo das pessoas que frequentam o restaurante. Esse afeto, esse carinho, isso eu acho incrível!”, define, encantada, a Amélie Poulain da Bahia.