O aumento do uso de carros elétricos traz consigo novas preocupações, especialmente em relação à segurança contra incêndios. As baterias de íon-lítio, que são utilizadas nesses veículos, possuem características que demandam medidas específicas para prevenir e controlar incêndios em locais como garagens de condomínios.
Em São Paulo, o Corpo de Bombeiros propôs uma série de normas para a recarga de veículos elétricos em condomínios residenciais e comerciais. Essas medidas incluem a instalação de ventiladores, sensores de calor, chuveiros automáticos e pontos de desligamento das baterias. O objetivo é reduzir os riscos de incêndio e facilitar o combate a eventuais ocorrências.
Normas sugeridas pelo Cobom de SP:
Estações de recarga em áreas externas
Alternativa 1
* Ter um afastamento de segurança mínimo de 5 m em relação às demais vagas de estacionamento
Alternativa 2
* As vagas devem ser separadas entre si e das demais vagas de veículos (que não sejam elétricos) por uma parede corta-fogo capaz de resistir por até 60 minutos, com 1,60 m de altura por 5 m de comprimento.
Estações de recarga em subsolos e edifícios garagem
Alternativa 1
* Instalação de chuveiros automáticos (sprinklers) em todo o pavimento onde existirem vagas para veículos elétricos e sistema de detecção de incêndio
Alternativa 2
* Cada vaga com ponto de recarga deve possuir um sistema de detecção de incêndio (pontual)
* As vagas devem ser separadas entre si e das demais vagas de veículos (que não sejam elétricos) por uma parede corta-fogo capaz de resistir por até 90 minutos e com 5 m de comprimento
* Essa parede corta-fogo deve chegar até o teto do pavimento, isolando a vaga com a estação de recarga.
Especialistas têm opiniões divergentes sobre o assunto
Especialistas em veículos elétricos têm opiniões divergentes sobre a necessidade e a rigidez das medidas propostas. Alguns defendem a necessidade de normas rigorosas, enquanto outros as consideram excessivas. O debate gira em torno da proporção dos riscos e da necessidade de encontrar um equilíbrio entre segurança e viabilidade econômica.
“Quando analisamos os carros a combustão, eles possuem um tanque de combustível, mas são difíceis de causar um desastre porque já são maduros. No caso dos carros elétricos, ainda estamos no início. As coisas precisam evoluir. Ainda não sabemos se as estruturas elétricas dos prédios estão adequadamente preparadas para abrigar esse tipo de veículo”, avalia Cássio Pagliarini, especialista em carros elétricos e CSO da Bright Consulting.
“A bateria dos carros elétricos queima o ar e a água. Portanto, se o extintor for apenas à base de água, o fogo pode aumentar porque o lítio reage com a água, formando um hidróxido e liberando hidrogênio, que inflama e intensifica o incêndio”, explica Pagliarini.
Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), considera importante haver espaço para apresentar propostas ao Corpo de Bombeiros de São Paulo nesta fase, mas a associação sugerirá mudanças em pontos que considere exagerados.
“Não é necessário construir muros, como se estivessem lidando com algo desconhecido. Esses veículos possuem controles de carga e temperatura das baterias, e não temos registros de incêndios com carros elétricos no Brasil”, diz o executivo.
Para o consultor da Bright, a proposta de normatização de vagas para carros elétricos em condomínios em São Paulo é rigorosa, mas não exagerada. “Se considerarmos que um carro elétrico pode pegar fogo, a necessidade é aquela presente nas normas propostas pelo Corpo de Bombeiros de São Paulo”, justifica Pagliarini.
“Todos no setor automotivo estão discutindo essa proposta de normatização, pois pode tornar inviável até mesmo em um prédio grande, com apartamentos luxuosos, que possuam carros mais caros, os quais podem ter veículos elétricos recarregando ao lado de veículos a combustão convencionais na garagem”, complementa.
Risco maior em subsolos
Em caso de incêndio, a situação é particularmente preocupante em garagens, como alerta o arquiteto Paulo de Tarso Souza, com mais de 20 anos de experiência em edificações. “Se houver um incêndio no estacionamento subterrâneo de um prédio, nenhum veículo de socorro conseguirá entrar”, afirma. “Normas precisam ser estabelecidas para garantir alguma proteção, sendo o subsolo sempre mais complicado.”
Em nota, o Corpo de Bombeiros de SP destaca que as propostas presentes no projeto ainda podem ser modificadas. “A intenção ao estabelecer uma norma para consulta pública é permitir que toda a sociedade tenha conhecimento sobre o assunto, que ainda é desconhecido”, declarou.
Minas Gerais avalia medidas
Em Minas Gerais, o Corpo de Bombeiros está avaliando as normas propostas em São Paulo e ainda não definiu sua posição oficial. O órgão reconhece a necessidade de medidas de segurança para carros elétricos, mas busca um equilíbrio entre a proteção contra incêndios e a viabilidade para os condomínios.
O documento considera que a instalação de pontos de carregamento de carros elétricos apresenta um risco especial adicional às edificações e aconselha que tais estações sejam preferencialmente executadas em áreas externas.
Assim como as normas propostas em São Paulo, os Bombeiros de Minas já orientam um afastamento mínimo de 5 m separando cada uma das vagas que possuem ponto de carregamento das demais vagas (com ou sem ponto de carregamento) e de locais com carga de incêndio ou áreas de risco.
Essa distância também pode ser substituída por paredes corta-fogo capazes de resistir até 60 minutos de incêndio, com 1,60 m de altura por 5 m de comprimento. Outra recomendação é a presença de extintores de incêndio do tipo pó ABC, localizados a 5 m de distância dos pontos de carregamento.
“Caso o ponto de carregamento esteja em uma área interna e coberta da edificação, onde a extração da fumaça de um eventual incêndio seja difícil, o projeto de prevenção e combate a incêndio deverá ser submetido à apreciação de uma comissão de corpo técnico, a qual definirá as medidas de segurança a serem implementadas”, declara a corporação mineira.
Capacidade das garagens é um ponto crítico
Outro desafio é a capacidade das garagens de condomínios de suportarem o peso extra dos carros elétricos. As baterias pesadas desses veículos aumentam significativamente a carga sobre as estruturas, o que pode resultar em problemas de segurança.
Com baterias ainda extremamente pesadas, esses veículos pesam, em média, 1,3 vezes mais que os automóveis com motor a combustão. Para se ter uma ideia, o subcompacto elétrico BYD Dolphin Mini, recém-lançado no Brasil, pesa 1.568 kg, mais que o dobro de um Renault Kwid com motor 1.0 flex, que tem 779 kg.
“Até o momento, pouca atenção foi dada a esse aspecto. A verdade é que os carros elétricos têm peso de 1,5 a 2 toneladas, e isso precisa ser discutido mais profundamente. Dependendo da forma como foi construído, nem precisa ser numa garagem, podem ocorrer acidentes graves”, alerta Pagliarini, citando um caso recente ocorrido na China, em que parte de um estacionamento de um shopping desabou devido ao número excessivo de carros elétricos estacionados no local.
Relatório no Reino Unido
Enquanto no Brasil essa preocupação ainda é incipiente, no Reino Unido, um relatório da British Parking Association concluiu que os carros elétricos são muito pesados para algumas garagens projetadas para veículos menores e mais leves.
O relatório destaca que diversas garagens construídas nas décadas de 1960 e 1970 podem não ser suficientemente resistentes para suportar o peso adicional dos carros elétricos. “Não estamos tentando causar alarme, mas existe definitivamente a possibilidade de colapso de alguns dos primeiros estacionamentos em más condições”, afirmou o engenheiro estrutural Chris Whapples ao jornal The Telegraph.