Multi-instrumentista belo-horizontina gravita com coesão em torno de temas como maternidade, amor ao planeta e à família em seu primeiro trabalho solo na carreira
Imagine uma casa encabeçada por uma mãe e um pai amantes do universo da música. Um dia, empenhados em passar essa paixão para a frente, os dois encomendam aulas musicais particulares para uma de suas filhas – uma menininha introspectiva de 7 anos, que em pouco tempo se torna a coordenadora do coral infantil da missa das crianças na igreja que a família frequentava todos os domingos, na cidade de Abaeté, no interior de Minas Gerais.
Assim nasceu a carreira de Camila Menezes, artista polivalente que é um dos nomes de destaque da nova cena musical belo-horizontina. “A música sempre fez parte da minha vida. Posso dizer que ela é minha matéria-prima para tudo”, exalta a compositora.
Conhecida principalmente por seu trabalho ao lado das bandas Dolores 602 e Tutu com Tacacá, a multi-instrumentista e compositora lançou recentemente seu primeiro investimento solo na carreira, o EP “Bença” – que já está em rotação nos aplicativos de música desde o mês passado.
A obra é formada pela trilogia de singles “AzulAmarelo”, “Louvação à (Minha) Mãe” e “Para-ti” – todos disponibilizados individualmente – que gravitam em torno de temas universais, porém intimistas, como a maternidade, as relações da humanidade com o planeta e o amor à família. Com inspiração em visões particulares, tudo acabou tomando forma durante o período de isolamento social, quando Camila, trancada em casa, criou sozinha um estúdio de gravação, que serviu como a base onde seu repertório ganhou corpo e vida.
“Como eu sempre trabalhei com grupos, eu comecei a desenvolver a ideia de um show solo que seria todo feito na viola caipira. Mas, por causa da impossibilidade de tocar ao vivo por causa da pandemia, acabei escrevendo um projeto para a Lei Aldir Blanc propondo a gravação de três singles autorais, nos quais eu faria todas as etapas da produção musical. E foi assim que a ideia nasceu, desse desejo de experimentar esses processos todos e aprender um pouco mais”, manifesta a artista.
Um projeto cheio de sensibilidade
Com uma sonoridade que bebe de diversos estilos musicais, o registro mostra as riquezas musicais que guiaram Camila na construção do projeto.
“Minhas influências são muito variadas. Na minha infância, cantávamos música de raiz (o pré-sertanejo) e MPB, e neste trabalho trouxe a viola como referência a essa musicalidade, dialogando com os elementos eletrônicos, que eu amo também”, chancela a musicista.
No EP, entre faixas novas e antigas, Camila Menezes canta e toca uma mistura única de maracatu, viola caipira e pop eletrônico, assumindo a sonoridade daquilo que classifica como nova MPB. A primeira canção lançada nessa tríade de singles foi “AzulAmarelo”. Composta em 2014 e registrada no mesmo ano pelo grupo Dolores 602, a faixa versa sobre a importância da harmonia entre os humanos e a Terra.
“Nessa letra, eu reconheço o planeta como casa e doador dos elementos materiais para a vida. Por exemplo, quando eu digo ‘Os dois hemisférios/ Constante mistério/ nenhum é o lado de cima’, estou questionando a construção do mundo como o vemos. É um momento de reflexão”, reflete Camila, que é formada em psicologia e também é mestre em psicologia social pela UFMG.
Canção de alma feminina, levada na viola e embalada por um mellotron, “Louvação à (Minha) Mãe” é uma ode ao universo da maternidade. “Essa canção nasceu da minha convivência com a minha mãe – nós duas estamos isoladas juntas desde março de 2020. Ela foi minha musa inspiradora, a primeira pessoa a ouvir cada instrumento nas gravações, e me deu grande apoio durante todo o processo”, evoca com ternura.
Fechando a viagem, está a singela e tocante “Para-ti”, música composta por Camila em tributo à memória de seu pai, morto em 2009. Pontuada por um arranjo aéreo e afável, a melodia é marcada por elementos eletrônicos casados com dedilhados aconchegantes de um violão folk. “Escrevi essa canção por volta de 2012 como uma expressão do meu desejo de reencontrar o meu pai. Ela representa bem a nossa história afetiva e musical. Senti que ela fechava bem essa trilogia”, prospecta a multi-instrumentista.
Além de cantar, Camila toca baixo, piano, violão, sintetizador e pilota os loops eletrônicos nas gravações. Mas estar pela primeira vez à frente de toda a produção musical foi algo revelador para ela.
“Eu já tocava os instrumentos que gravei e também tinha alguns anos de experiência com produção musical, porém sem pilotar a máquina. Ao me gravar, editar, mixar, pude entender mais a fundo todo esse lado operacional que leva à construção de música como produto final. Foi uma experiência incrível”, afirma.
História
Com 14 anos de caminhada, Camila Menezes é uma das mais respeitadas artistas do circuito independente mineiro. Como baixista e compositora da banda Dolores 602, ela já conquistou diversos prêmios. Mesmo assim não se contenta.
“Penso que tudo que faço na música tem por objetivo a autorrealização e a realização das pessoas com quem trabalho. É isso que nos mantém vivos e sonhando, buscando”, prega a multi-instrumentista, que parece incansável e sempre aberta a contribuições com outros músicos – como faz com as bandas Tutu com Tacacá (carimbó), Abre a Roda – Mulheres no Choro e Quarteta (choro) e o Pagode das Mina.
“Quero que a minha arte possa ser um canal para que as pessoas se sintam bem, se conectem consigo mesmas e com as outras pessoas de forma positiva. Com sorte, minha música vai gerar reflexões e mostrar a nossa beleza e capacidade de amar e respeitar. O que pode ser melhor que isso?”, encerra Camila.
Ficha técnica
Qualificação: EP “Bença”
Artista: Camila Menezes
Selo: Produção independente
Disponível nas plataformas de streaming Spotify, Apple Music, Deezer, Tidal, Amazon Music e Youtube