Idealizado em 2019, poucos meses após o rompimento da barragem que matou 272 pessoas em Brumadinho, o Memorial às Vítimas da Vale não será inaugurado a tempo do marco de cinco anos do desastre, que acontece amanhã. Conforme a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão em Brumadinho (Avabrum), o atraso na abertura do monumento que homenageia as vítimas ocorre após a mineradora tentar ser “protagonista” do espaço.
Financiada pela Vale, a construção do memorial teria chegado à fase final ainda em 2022. Foi nessa época que os advogados da empresa teriam passado a apresentar os documentos com as cláusulas de gestão do espaço, que, segundo os familiares das vítimas, tentava transformar o monumento no “Memorial Vale”.
“Ela (mineradora) colocou que, se tivesse alguma coisa que não gostassem, iria ser retirado o financiamento, que é responsabilidade da Vale. A empresa queria que fosse um espaço para ela homenagear as vítimas, mas nós queremos é contar a história do crime. Lógico que vamos homenagear aqueles que a Vale matou. Vamos contar a história que começou lá atrás, quando o presidente fez a escolha de deixar a barragem romper em nome do lucro”, pondera Kenya Lamounier, 56, esposa de Adriano, funcionário morto no rompimento.
A partir daí, teve início uma negociação que durou mais de um ano, e o consenso com a empresa chegou somente em agosto de 2023, quando foram assinados os termos e iniciada a constituição de uma fundação que fará a gestão do local.
“A expectativa é que o memorial seja um espaço de reflexão, de acolhimento, e que sirva para que as pessoas entendam o valor da vida, o valor que as empresas dão aos seus funcionários. A intenção é que, no futuro, esse crime nunca mais se repita. Não podemos fazer como fizemos com Mariana, pois o slogan ‘Mariana nunca mais’ terminou em Brumadinho”, completou Kenya, que também faz parte da Avabrum.
Segmentos
Além de ser um espaço para visitação, o memorial também foi pensado para receber os fragmentos dos corpos das vítimas que seguem sendo encontrados pelo Corpo de Bombeiros, que continua com os trabalhos de buscas ininterruptamente.
“Ele (memorial) só foi construído porque nós descobrimos que vários segmentos corpóreos não teriam nenhum lugar para ser depositados. Eles seriam descartados nas valas destinadas aos hospitais, para onde são levados membros amputados. Nós não achamos justo. Eles eram trabalhadores daquela empresa, eram pessoas da comunidade, pessoas que estavam quietas em suas casas e nem imaginavam que aquilo poderia acontecer com elas. Então, é nesse sentido que foi idealizado o memorial”, explicou Maria Regina da Silva, 59, mãe da vítima Priscila Elen Silva e membro do conselho fiscal da Avabrum.
Outro lado
Questionada sobre a suposta tentativa de ser a administradora do memorial, a mineradora Vale informou apenas, por nota, que as regras e os procedimentos para a gestão e a conservação do espaço foram definidos em agosto de 2023 após a assinatura de um termo de compromisso com a Avabrum e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
“Foi criada a Fundação Memorial de Brumadinho, fundação privada e sem fins lucrativos, que será responsável pela gestão do memorial, realizando de forma exclusiva a sua manutenção e operacionalização”, finalizou a empresa na nota.
‘Joias’ iluminadas todo 25 de janeiro
Escolhido entre quatro projetos pelos familiares, o desenho do Memorial às Vítimas de Brumadinho é do famoso arquiteto mineiro Gustavo Penna. Repleto de simbologia, o local foi pensado para emocionar os visitantes. Em meio à vegetação local, de verde intenso, foram plantados 272 ipês amarelos, que representarão os mortos no rompimento da barragem.
A cada dia 25 de janeiro, às 12h28, um feixe de luz iluminará um conjunto de cristais, que simbolizam as “joias”, como são chamadas as pessoas mortas no dia do rompimento. A experiência sensorial se inicia logo na entrada do local, que foi desenhado de forma retorcida, fragmentada, em referência à destruição irregular causada pela força da lama. Escuro, o ambiente é iluminado apenas por pequenas frestas, passando a impressão de que o prédio em si está sendo soterrado.
Um longo corredor, uma espécie de trincheira de 230 m, leva os presentes em direção ao local do rompimento. No caminho, os nomes das vítimas, fotos e vídeos contextualizam o crime. Suspenso sobre o caminho, de forma aparentemente instável, está a “cabeça que sente e chora”. Dos “olhos” geométricos, escorrerão lágrimas sobre as paredes do local onde estão enterrados os segmentos das vítimas.