Uma paciente de 27 anos buscou atendimento na emergência de um tradicional hospital de Salvador, localizado na Graça, na semana passada. Ainda na portaria, a jovem foi barrada por funcionários da unidade, que informaram que beneficiários da Assistência à Saúde dos Servidores Públicos Estaduais (Planserv) não estão sendo atendidos. O drama de usuários do plano de saúde do Estado da Bahia se repete desde agosto do ano passado e está mais evidente neste mês, em que as viroses pós-Carnaval adoecem os soteropolitanos.
O Planserv e os grandes hospitais de Salvador credenciados à rede justificam que as recusas de atendimento ocorrem devido a superlotação das unidades. “Os quadros pós-carnaval são comuns e os beneficiários do Planserv estão sendo acolhidos na medida da capacidade operacional das instituições credenciadas”, pontua o plano. Na prática, beneficiários do plano são barrados mesmo quando as emergências não estão cheias. É o que conta uma servidora pública, que prefere não se identificar por medo de retaliações. Na semana passada, ela acompanhou o marido na emergência do Hospital Santa Izabel, em Nazaré. “Meu marido estava debilitado e precisou usar cadeira de rodas. A recepção estava vazia e nos bloquearam com segurança na porta, o que foi constrangedor”, relata. Ela entrou em contato com o Hospital Português, que também negou o atendimento, e o marido só foi atendido em uma clínica na Pituba. “Foi muito humilhante e desgastante. É uma receita líquida e cada vez mais alta que é descontada diretamente no contracheque”, lamenta a servidora.
A via crucis também foi percorrida pela jovem de 27 anos que deu início a essa reportagem e foi barrada no Hospital Português, na Graça. “Busquei o Hospital da Bahia, que me informou que a cota de Planserv do dia já havia acabado. Depois passei a ligar para os hospitais em uma tentativa de poupar transporte”. Foi quando ela decidiu contatar o Planserv. “Depois de muito custo, o 0800 do Planserv indicou uma clínica na Pituba, para o atendimento, que apesar de rápido, não foi tão aprofundado”, conta. A clínica, a mesma que a servidora pública levou o marido doente, é o Instituto de Gestão e Humanização (IGH). Neste mês, as reclamações de usuários do plano foram intensificadas nas redes sociais e o perfil do Governo do Estado no X, antigo Twitter, tenta justificar a crise e indicar unidades credenciadas.
“O Planserv informa que a rede de hospitais credenciados ao plano está funcionando de forma regular. Ressalta ainda que as unidades hospitalares são responsáveis pela gestão dos seus leitos, restringindo o acesso à emergência quando estão com lotação máxima”, publicou no dia 19 de fevereiro. Apesar de culpar o período em que quadros de crises respiratórias são mais comuns, a crise não é de hoje. O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) contabiliza 6.177 denúncias contra o Planserv entre janeiro de 2020 e agosto de 2023. Só em oito meses do ano passado foram 439 – o que representa uma média de 54 denúncias por mês. Em outubro, uma audiência pública foi realizada na sede do Ministério Público da Bahia (MP-BA) para discutir o descredenciamento de hospitais e clínicas.
“O Planserv se comprometeu a ficar mais atento e criar mecanismos que não jogassem para os servidores a tarefa de fiscalizar. Mas, o que vemos agora, é que o problema pode ter se agravado, visto as diversas reclamações que voltaram a aparecer no último mês”, afirma Kleber Rosa, que é presidente da Federação dos Trabalhadores Públicos do Estado da Bahia (Fetrab). No dia 21 de fevereiro, a Fetrab enviou um ofício à coordenação do Planserv solicitando uma reunião de urgência para tratar o tema. Do outro lado, a Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (AHSEB), que representa os hospitais privados, diz que não tem ciência da recusa de atendimento a usuários do Planserv. “As emergências dos hospitais estão lotadas para todos os planos de saúde por conta das síndromes gripais. Às vezes, as emergências estão superlotadas e não atendem mais ninguém”, disse Mauro Adan, presidente da associação.
Já o presidente da Fetrab, caracteriza como ‘procedimento paralelo’ a negativa de atendimento nas emergências, uma vez que Hospital Português, Hospital da Bahia e Hospital Santa Izabel ainda fazem parte da rede credenciada. Os três hospitais foram questionados, através das suas assessorias de imprensa, sobre não aceitarem beneficiários do Planserv, mas não se manifestaram. Pacientes que tentam agendar consultas, procedimentos e ter acesso às emergências revelam ainda que os próprios profissionais reclamam da falta de repasses do Planserv. “Já passei por constrangimentos em consultas e ouvi de uma médica que minha família era Planserv. Ela disse que eles não costumam aceitar consultas seguidas porque o plano atrasa os pagamentos”, revela. A Associação de Hospitais admite os atrasos nos repasses, mas ressalta que a demora não motivam as restrições de atendimento.