A expressão surgiu no Código de Hamurabi, tido como primeiro código de leis escrito da história/Créditos: Reprodução
“Olho por olho, dente por dente”! Eis a máxima da Lei do Talião, fundamento do Código de Hamurabi, tido como primeiro código de leis escrito da história (1.780 a.C.). Hamurabi, ilustre-se, governou o primeiro império babilônico, entre 1792 e 1750 a.C.. Para alguns, Talião foi uma pessoa, remetendo-se à Bíblia; para outros, um conceito significativo de igualdade entre crime e castigo.
Por outra perspectiva, conforme a terceira Lei de Newton, a toda ação corresponde a uma reação de igual intensidade, mas que atua no sentido oposto.
O fato é que se verifica, infelizmente cada vez com maior frequência, atitudes que violam os mais elementares sensos comuns de convivência. Vamos aqui ficar, por questão de espaço, na figura da violência sexual.
Quantos pais não estupram suas filhas, por vezes crianças de 2/3/4/5 anos de idade? Frequentemente há conivência da mãe da vítima, por razões as mais diversas, porém nenhuma, adiante-se, justificável. Noticiou-se um religioso, tido como guru de milhares, curador milagroso de almas e de corpos, que usava do poder dessa sua ‘magia’ para aproveitar-se sexualmente de mulheres indefesas. A doutrina do malfeitor, aliás, tem como principal fundamento a realização do bem, amparando-se os necessitados. E eis que, recentemente, um caso inimaginável, mesmo para as mentes mais doentias, foi relatado: um médico, em plena sala de cirurgia, no procedimento usado para se trazer uma nova vida ao mundo, construía uma parede com panos hospitalares e, na presença de terceiros – médicos, enfermeiros e até dos futuros pais -, praticava o crime de estupro em face de uma vítima desacordada, sob efeito de anestésico.
Tome-se, no caso, o agravante do violador ser aquele que estava a desempenhar ofício com mister inverso, ou seja, de atenuar o sofrimento e fazer o bem. O médico, como espelhado por Lucas, há de ter a preocupação com o sofrimento de enfermos, oprimidos e pobres (V. “Médico de homens e de almas”, Taylor Caldwell, retratando a vida de Lucas).
Consequência dessas atitudes, naturalmente vêm a tona ideias como pena de morte, castração química, prisão perpétua ou mesmo a torcida por um estupro coletivo na prisão. Já a defesa, certamente até por necessidade, há de enveredar pela tese da insanidade. Tese, aliás, difícil de ser rechaçada, mas não menos difícil de, sob senso comum, se aceitar como excludente de punibilidade. Mas aqui, o que se pretende focar para reflexão, não diz respeito ao tipo de medida ou punição a ser imposta. A ideia é se refletir sobre a reação da mente humana e do sentimento comum; até onde vai e até onde é ela justificável.
Moisés, no Antigo Testamento, chega a pregar “olho por olho, dente por dente”. O grau de afeto com a vítima, de outro modo, impõe vontades diferentes. Quem não vai desejar, ao menos em um primeiro momento, o sofrimento máximo a quem violenta a sua filha?
Diz Epicuro que “A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem”. Marco Aurélio, imperador de Roma, por sua vez, já afirmou que “O melhor modo de vingar-se de um inimigo é não se assemelhar a ele”.
Contudo, o resultado da reflexão não é de fácil alcance e compreensão. As ofensas não podem ficar sem respostas, mas as respostas são as mais diversas, das infinitas variedades de repercussões. Logo, a busca da resposta que vem de dentro, esgaçada e bem estudada, é o primeiro passo para que não nos percamos no labirinto da vingança refutadora da natureza humana. Punições são extremamente necessárias, inclusive com doses de inspiração no Talião e em Newton, mas podemos encerrar essa breve reflexão com a de Pierre Marivaux, dramaturgo e romancista francês, no sentido de que “A vingança agrada a todos os corações ofendidos; (…) uns preferem-na cruel, outros generosa”.
Fique claro que o crime a que se alude é dos mais cruéis, a ensejar resposta firme do Estado, com punição severa. Não se está aqui a minimizá-lo, pelo contrário, mas a se lançar a dúvida sobre qual resposta a se dar, interior e exteriormente, à dor comum daqueles que se sensibilizam com as dores das vítimas e de seus próximos.
Bento Herculano Duarte Neto é desembargador, professor titular da UFRN e doutor em Direito (PUC-SP)