Há quase três décadas à frente do Liverpool da Skina, José Roberto Rocha, de 70 anos, o Zé Roberto, anunciou que quer passar o ponto do bar, situado na esquina das ruas Adamina e Salinas, no Santa Tereza, na regional Leste, em Belo Horizonte. “Eu construí no interior. Estou indo embora”, explicou à reportagem de O Tempo. Assim como o Liverpool, outros estabelecimentos na região estão se despedindo do seu público. É o caso da Casa Fúnebre, no bairro Saudade, que faz neste fim de semana sua última festa, e do São Jorge Buraco da Minhoca, no Floresta. Em janeiro, o Nicolau, do chef Leo Paixão, também já havia fechado as portas. Enquanto isso, um novo empreendimento está em obras na rua Mármore, conhecida por seus botecos, e o Juramento 202, digamos, ampliou sua casa, no Pompeia. A região Leste é uma das mais boêmias da capital, abrigando 350 dos 11.135 bares de BH, segundo estimativas da prefeitura. Um movimento recente de abre e fecha dos estabelecimentos, têm chamado a atenção dos moradores e frequentadores das casas.
O caso de Zé Roberto diz mais sobre seu desejo de voltar para a sua cidade, Januária, no Norte de Minas, onde tem família e herança. “Tenho três lojas lá, vou abrir um estúdio musical, um salão e um mototáxi. E lá a loja é minha. Tem uma fazendinha que meu pai me deixou também, com alambique de cachaça e casas na cidade. Vou cuidar mais das coisas nossas”, explica.
Zé Roberto está há 28 anos à frente do Liverpool da Skina, no Santa Tereza, e agora quer passar o ponto. Foto: Renata Urbano (@oncevaibh)/Reprodução
Zé chegou a BH na década de 1980, trabalhou como representante da Brahma até que resolveu abrir o Liverpool da Skina, que foi pizzaria, self-service, buteco e hoje, de dia, vende balas e doces para os estudantes do Colégio Tiradentes, enquanto a noite o balcão abre espaço para as cervejas geladas e as doses de pinga. Por ora, ele segue no atendimento até que consiga resolver todas as pendências com imobiliária e passar o ponto. “Vou entregar o ponto do jeito que está montando. Estou pedindo R$ 60 mil, com TV, com tudo… Tem dois balcões, freezer…”, explica.
Segundo ele, a pandemia acabou atrapalhando muito os negócios, já que as escolas fecharam e após o arrefecimento das restrições, pipocaram farmácias e supermercados no bairro, tirando as vendas.
Por dificuldades no ramo, o São Jorge Buraco da Minhoca, localizado na rua Matias Barbosa, no Floresta, também vai fechar as portas em breve e tem feito uma programação cultural de despedida. A gerente Yasmim Salim, de 25 anos, explicou a O Tempo que, a longo prazo, pretende investir seu tempo em sua carreira musical e que o empreendimento não estava dando o retorno financeiro esperado, fora a falta de apoio institucional.
Casa Fúnebre tem 30 dias pra deixar imóvel
Já os proprietários da Casa Fúnebre, que funciona desde 2021 em frente ao Cemitério da Saudade e fomentava a cena de Carnaval de BH, foram pegos de surpresa por um aviso de que teriam 30 dias para deixar o local. “A proprietária não quis fazer a renovação de contrato. A gente acredita que seja pelo barulho [dos ensaios] de carnaval”, diz Flávia Ribeiro, de 38 anos, sócia-proprietária da casa ao lado de Leonardo Duarte e Tales Lacerda. No ano passado, o local recebeu por volta de 80 blocos, mas Flávia explica que a casa sempre respeitou o horário limite das 22h.
O bar surgiu para ser sede do Bloco Fúnebre, um local para ensaios, mas acabou atraindo grupos de toda a BH. Juntos, em dois anos, os sócios investiram um montante de cerca de R$ 70 mil em infraestrutura no local, que era apenas uma espécie de lote vago, onde funcionava um espaço funerário. Foi preciso construir do zero a cozinha, os banheiros e trocar o padrão para fornecer 220v para o bar. Foi feito ainda o nivelamento do terreno, pintura…
Com o fechamento da Casa Fúnebre, quatro funcionários fixos terão que ser dispensados. Além disso, haverá um impacto nos negócios locais, já que a casa comprava carne, gelo, cerveja e refrigerante em lata no comércio do entorno. Os sócios Flávia e Leonardo, porém, são cantores e não dependem apenas dessa fonte de renda.
Como a proprietária do imóvel deu somente 30 dias para a entrega da casa, os donos do bar não puderam se preparar adequadamente para buscar um outro ponto. Agora, tem menos de 15 dias para vender tudo, já que não tem nem espaço para guardar todo o mobiliário do bar. “Nosso contrato era de dois anos e meio e não havia essa possibilidade [jurídica] de estender o prazo”, explica Flávia.
Segundo ela, a pretensão é abrir o bar novamente, mas antes a Casa Fúnebre vai fazer “um gran finale” de despedida no bairro Saudade. “Grandes blocos passaram ali. Mudamos a política de ensaio. Antes, as casas recebiam os blocos e cobravam para ensaiar. A gente abriu a casa de bloco para bloco, entendendo a necessidade. Temos uma representatividade histórica”, destaca Flávia.
Casinha do Jura tem, atualmente, 90 lugares e chega para trazer mais comodidade aos clientes do Juramento. Foto: Bernardo Silva/Divulgação.
Juramento investe R$ 400 mil para ampliar bar no Pompeia
Quando o Juramento 202 foi criado, em 2017, os sócios não esperavam pelo o que viria… O bar, criado para dar vazão às cervejas artesanais do grupo, situado na rua com o nome que foi batizado, foi o primeiro empreendimento do Grupo Viela, que abriria ainda a Cozinha Tupis, no Mercado Novo, e o Forno da Saudade, no bairro Carlos Prates. “A gente imaginava que ia ter ali uns vinte clientes, um ou dois funcionários, e que ia ser um movimentinho bem leve… Um botequinho desses bem tranquilos, e não foi o que aconteceu”, lembra Marcelo Machado da Silva, de 40 anos, diretor financeiro do Grupo Viela.
Recentemente, o ambiente foi ampliado com a inauguração da Casinha do Jura, imóvel ao lado do bar original, que permitiu a criação de 90 lugares para se beber e comer sentado. Foram investidos R$ 400 mil na reforma e outros R$ 100 mil estão previstos até a conclusão do projeto. A previsão, segundo o diretor financeiro, é recuperar o valor investido em dois ou três anos.
Marcelo explica que o “anexo” do Juramento foi criado para resolver o problema de que até 87% das vendas do bar, no ano passado, chegaram a ser de bebidas. A taxa não fazia sentido ao grupo que tem como um dos sócios o reconhecido chef de cozinha Henrique Gilberto. Segundo o diretor financeiro, como a casa ficava muito lotada, as pessoas não tinham lugar para sentar e comer. “Os clientes também foram ficando mais velhos. Então, às vezes, o pessoal nem quer ficar em pé na rua. Quer sentar, quer comer… A gente passou um pouco por essa transformação nesses sete anos”, explica. Atualmente, as bebidas passaram a representar 67% no percentual de faturamento do Juramento, mas a meta do grupo é chegar a 50%.
Outro ponto que Marcelo destaca é que o bar começou a ficar muito vazio, o que não deixava o espaço atrativo para quem chegava. “A pessoa chega lá, tinha dois ou três clientes só. Mesmo que seja um grupo de oito pessoas, ficava lá, tomava uma cerveja e pensava: ‘para onde nós vamos’?”, conta. Isso levou o grupo, segundo ele, a ficar muito dependente de uma programação musical para atrair o público.
Diante desses impasses e de uma maior concorrência, já que muitos bares com conceitos similares foram abertos em BH, o grupo precisou se reinventar. A ideia, segundo Marcelo, é que o Juramento vire um espaço para tomar uma cervejinha antes do almoço ou jantar e a saideira da noite, servindo ainda como se fosse uma fila de espera, caso a Casinha esteja lotada. Ele acredita que o movimento da casa possa impulsionar o Jura.
“A gente deu uma transformada boa no setor de bebidas artesanais, que antes eram muito caras. Na época, a gente conseguia entrar com um preço muito bom. Hoje, com a inflação, o negócio não está tão competitivo, mas ao mesmo tempo a gente já tem um nome e a gente acredita que vai dar certo ali o nosso investimento”, afirma Marcelo.