A casa onde o mestre Ruy Barbosa morou até os 16 anos no Centro Histórico, enfim, será restaurada e ficará à altura da importância dessa figura histórica baiana essencial para o entendimento do Brasil. Nesta quinta-feira (14), a Associação Bahiana de Imprensa (ABI), responsável pelo imóvel, formalizou a contratação do diretor artítisco Gringo Cardia para realizar o projeto de reconstrução de um novo museu na Casa Ruy Barbosa. A iniciativa faz parte das homenagens ao centenário de morte do jurista.
A assinatura do contrato representa o pontapé inicial para a reconstrução do museu, fechado para visitação desde 2011. Após a assinatura, Gringo Cardia foi a pé até à Casa, onde pôde constatar a situação de abandono em que o imóvel se encontra. Pisos danificados, paredes descascadas e com infiltrações, além de fios descobertos e o cheiro de mofo fazem o que seja difícil acreditar que um personagem histórico tão importante tenha vivido por lá.
Enquanto visitava o local, o diretor artístico e curador gaúcho fez diversos registros fotográficos do imóvel, que servirão para análise e estruturação do novo projeto para o museu. A missão do gaúcho Gringo Cardia é resgatar memórias de um homem que transtitou por diversas áreas do conhecimento e deixou um legado que merece ser revisitado nos dias atuais. Para isso, ele pretende criar um espaço atrativo especialmente para os jovens.
Gringo Cardia tem planos de inserir a tecnologia na curadoria do museu para atingir o público jovem (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
“A missão principal é fazer a conexão entre esse homem tão importante para o país inteiro e com a juventude do século XXI. Vamos mostrar o quanto Ruy Barbosa é importante para uma sociedade mais justa e fundamental para a história do país”, afirma Cardia. Para fazer com que esse público se interesse pelo equipamento histórico, a estratégia é utilizar a tecnologia, como Gringo Cardia fez na curadoria do Museu da Música, também no Centro Histórico da capital.
Apesar de ser gaúcho, Cardia possui uma forte ligação com Salvador. Em 2020, a Câmara Municipal aprovou o seu título de cidadão soteropolitano. O diretor assina o projeto da Casa do Rio Vermelho de Jorge Amado e Zélia Gattai.
“A comunicação com a nova geração hoje em dia é feita através da tecnologia e as pessoas aprendem através do entretenimento. Não existe mais museu com aqueles textos enormes nas paredes porque as pessoas não lêem, então precisamos atingir esse público de outras maneiras. Trabalhamos com a tecnologia para fazer essa mágica para que os visitantes se envolvam”, explica Gringo Cardia.
Em 1998, a casa de dois pavimentos foi cedida para a então Faculdade Ruy Barbosa, para a realização de atividades acadêmicas e culturais. Em 2019, a parceria foi descontinuada e somente em fevereiro deste ano o equipamento foi devolvido à ABI por meio de uma ação de reintegração de posse.
O museu chegou a ser assaltado em 2018, quando criminosos levaram diversos itens do acervo, como bustos, medalhas, óculos e taças. Há pelo menos dois anos, o CORREIO já denunciava o estado que o local se encontrava. Mas agora a expectativa é que o espaço seja completamente renovado, mas respeitando as suas lembranças históricas.
(Foto: Marina Silva/CORREIO) |
“A casa já funcionou como museu no passado, mas passou por uma série de problemas e teve que ser desativada. Em um determinado momento foi feito o convênio com uma faculdade e quando ela foi vendida para um grupo estrangeiro, abandonou o local. Mas agora estamos pensando no futuro e demos o primeiro passo com a contratação de Gringo Cardia”, diz Nelson Cadena, diretor de Cultura da Associação Bahiana de Imprensa.
Em nota, o Centro Universitário UniRuy disse que entende a importância histórico-cultural do imóvel e que mantém canal de comunicação aberto com a Associação. “O Centro Universitário acatou as cláusulas sugeridas pela ABI e as partes firmaram acordo com valor destinado à recuperação do imóvel, acervo e demais indenizações”, pontuou.
Enquanto Cardia estuda para criar o novo conceito que será implementado no museu, a ABI busca patrocínio para que o projeto seja colocado em prática. Por isso ainda não é possível prever quanto a reforma custará. “Eu diria que é impossível encontrar um patrocinador que banque 100% do projeto, sempre exigem que o proponente entre com alguma contrapartida”, disse o presidente da Associação, Ernesto Marques, em uma reunião com conselheiros da instituição.
Ernesto Marques acredita que rememorar a vida de Ruy Barbosa se torna ainda mais urgente no momento em que estamos inseridos. “O fato de trazermos a vida e obra de Ruy Barbosa como intelectual, jornalista, político e diplomado, neste momento em que o Brasil perde importância no cenário internacional, é essencial”, afirma.
Segundo o presidente da ABI, quando o museu foi inaugurado na década de 40, chegou a receber cerca de 28 mil visitantes nos primeiros meses de abertura. O que é muito, já que na época a cidade possuía um pouco mais de 500 mil habitantes. “Desde aquela época o museu foi muito procurado, por estudantes de Direito, principalmente, mas não apenas”, diz.
(Foto: Marina Silva/CORREIO) |
A ideia é que estudantes de todo o estado continuem a visitar o equipamento, que foi durante anos conhecido como “Ninho da Águia”. O apelido veio porque Ruy Barbosa havia recebido a alcunha de Águia de Haia após o sucesso em representar o país na II Conferência da Paz em Haia, na Holanda, em 1907.
“O sonho de Anísio Teixeira era que a escola ampliasse o seu universo e encontrasse espaço na cultura e na memória. Então, a gente deseja realizar seminários para professores e trilhas pedagógicas para trazer alunos de todos os cantos da Bahia para conhecer a Casa de Ruy Barbosa”, afirma Cybele Amado, diretora do Instituto Anísio Teixeira (IAT).
Entorno da Casa de Ruy Barbosa também deve ser revitalizado
Não é só o interior da casa de Ruy Barbosa que será restaurado. Um projeto da prefeitura em parceria com o Governo do Estado prevê a construção de uma praça ao lado da casa para que o equipamento cultural se torne mais convidativo para soteropolitanos e turistas.
“A questão dos patrocínios [para a reestruturação do museu] está inserida no contexto da revitalização da Rua Ruy Barbosa, que seria um projeto conjunto da prefeitura e do governo. Esse projeto de praça já existe e deve ser implantado”, explica Nelson Cadena.
A Fundação Gregório de Mattos (FGM), vinculada à prefeitura, se comprometeu inclusive com a implantação de um busto de Ruy Barbosa a ser instalado na praça. “O nosso compromisso está mantido e o busto deve ser feito pela artista plástica Márcia Magno, que fez o busto do professor Milton Santos e de outras várias personalidades”, disse Vagner Rocha, diretor de patrimônio da FMG, durante a reunião.
A revitalização é esperada por comerciantes do entorno do Museu Casa de Ruy Barbosa, onde há cerca de dez antiquários. Para Gildo Fortunato, que tem uma loja de antiguidades há mais de 30 anos, a construção da praça e restauração do museu representa esperança de mais segurança para a localidade. “Há 20 anos o movimento aqui era muito bom, chegavam muitos colecionadores, mas de uns anos para cá foi diminuindo muito”, relembra.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.